Edgar Morin, o ‘bom judeu’

Se Edgar Morin não fosse um pseudônimo, dificilmente o hoje célebre sociólogo e filósofo teria conseguido publicar seus livros. O nome verdadeiro deste intelectual, antes apreciado e ouvido, era Edgar Nahum. Nasceu em Paris, em 1921, porém sua família veio da ilustre comunidade judaica de Salonica, na Grécia. No entanto, quando Morin evoca essa sua identidade sefardita ou a visão pessoal de Israel, toda reflexão é banida. Hoje, ele não obedece senão à pulsão de ódio. Deve ser também por esta razão que, já há bastantes anos, todos que o conhecem na França dizem em voz baixa: “Edgar Morin está gagá…”

Em Marselha (Bocas do Ródano), 12 de novembro 2023. Mais de 7 500 manifestantes protestam contra o aumento do antissemitismo © Gérard Bottino/Zuma-Réa

Judeus com ódio de si mesmos são os chamados “self hatred jew”. Há um livro do filósofo Theodor Lessing, de 1930, que identificaria o “caso Edgar Morin”, como patologia. Trata-se, segundo o autor, da “manifestação de uma identificação excessiva com a cultura dominante e a internalização dos seus preconceitos”. Houve estudos de fontes declaradas na pesquisa acadêmica: “essas doenças mentais em judeus muitas vezes derivam de sentimentos de inferioridade e auto ódio resultantes da perseguição e de sua posição subordinada na sociedade”.

Hoje, só uma certa velha, esclerosada e burra esquerda brasileira pode se extasiar diante do que ele diz e, depois, papaguear as divagações antijudaicas do velho Morin que, apesar de sua arrogância, ou talvez por causa dela, muito provavelmente sofre do autodesprezo explicado por Lessing. Justo o maravilhoso autor de La Rumeur d’Orléans (livro que desmente um rumor antissemita, em 1969) é quem, agora – como um imbecil – contradiz a própria e importantíssima obra de décadas, deixando uma rasa ideologia pensar por ele.

Há vários anos, algumas de suas posições assemelham-se às dos propagandistas do novo fascismo francês, como o “humorista” Dieudonné e seu inspirador, também racista atroz, o ensaísta “vermelho” (amarronzado) Alain Soral, sobre o qual escrevi aqui. Da mesma forma que eles, aliás, Edgar Morin teve que responder na Justiça francesa por incitação ao antissemitismo e ao terrorismo.

Olhos malevolentes

Inimigo jurado do sionismo, o intelectual pretende o absurdo de que a existência de Israel advém “pura e simplesmente da culpa do Ocidente após o Holocausto”, enquanto o país judeu já existia muito antes disso. Aos seus olhos malevolentes, Israel é uma “compensação injusta ao povo judeu”. Mais ainda: diz que, “ao ocuparem a Terra Santa, os judeus seriam culpados de ingratidão face aos muçulmanos que sempre os protegeram”.

Sei que o leitor nem pode acreditar no que está lendo, porém, sim, garanto que Edgar Morin – grande erudito – proferiu essas inverdades históricas. E sem qualquer embaraço.

Durante mais de 20 anos, o macróbio (confesso ter vontade de trocar o “a” pelo “i”) não para de assinar ou coassinar publicações anti-israelenses, na companhia de horrendos escritores que pertencem à esfera islamo-esquerdista como Tariq Ramadan ou como Sami Naïr e Danièle Sallenave, apoiadores dos terroristas do Hamas e do Hezbollah.

Quanto mais velho fica, mais o ódio cresce

À medida que envelhece, o matusalêmico parece sofrer da mesma síndrome que o escritor e jornalista Jean Daniel (nascido Bensaïd, 1920 – 2020) outro judeu que escondia o seu nome porém não escondia a sua simpatia pelo islamismo e antissionismo; e o também falecido diplomata, escritor, resistente, militante político Stéphane Hessel (1917-2013) igualmente de origem judaica, que apoiava terroristas e abominava Israel.

Quanto mais velho Morin fica, mais o seu ódio e a sua obsessão crescem, a ponto de ele não mais pensar em outra coisa. E é com essa motivação irresistível que alimenta as colunas do obsoleto e lúgubre “Monde Diplomatique”, o conhecido jornal mensal antijudaico preferido da extrema-esquerda francesa, amiga do peito do atual inquilino do Palácio da Alvorada.

Edgar Morin. As divagações antijudaicas de um velho ‘self-hatred jew’, ex-grande intelectual que hoje, de fato, parece estar gagá.

Edgar Morin pode ter sido um sociólogo de primeira, na verdade, porém, é um ignorante em matéria de judaísmo. Basta lê-lo. Escreveu os maiores absurdos e nunca entendeu o sentido de “povo eleito”, sobre o qual expliquei aqui. De acordo com seus escritos, Morin gostaria que todos os judeus fossem apóstatas como ele, ou seja, renegados “judeus-não-judeus”, como costuma dizer. Segundo este autor de dezenas de livros traduzidos em todo mundo, como O Paradigma Perdido: a natureza humana (1973), um judeu que se aceita como tal e se apega à história do seu povo é um “mau judeu”. O “bom judeu”, para Morin, deve ser como ele mesmo: assimilado, invisível e hostil a qualquer reivindicação cultural, religiosa ou espiritual que lembre em alguma coisa o seu tão odiado judaísmo.

Em síntese, o filósofo se inscreve inteiramente na linha do antijudaísmo ancestral que fez nascer o antissemitismo de hoje: judeus só são tolerados quando se renegam. Só ficam simpáticos quando se escondem, são perseguidos e malditos. Quando se organizam – merecidamente – num Estado oficial, uma democracia parlamentar, no único país do mundo, onde 75% da sua população é formada por eles, aí, são acusados de todos os defeitos da humanidade.

No artigo “Israel-Palestina: o câncer”, no jornal Le Monde, em 2002, texto que lhe valeu o processo em Justiça, Edgar Morin não hesitou em dizer, entre outras invenções, que “é a consciência de ter sido vítima que permite que Israel se torne um opressor do povo palestino. Que os judeus de Israel, descendentes das vítimas de um apartheid chamado gueto, ‘guetizam’ os palestinos”. Morin usou, portanto, os mesmos falsos pretextos e argumentos antissionistas (e antissemitas) utilizados pelos mulás iranianos e por todos que desejam, no planeta, o desaparecimento de Israel. “Fakes” que já foram exaustivamente desmentidos em livros, documentários e sérios estudos acadêmicos sobre as tentativas de paz e as relações entre israelenses e palestinos.

Ninguém negou o direito à existência, ao Bangladesh ou ao Sudão do Sul

Sabemos que o antissionismo – ou seja, a negação aos judeus do direito de terem um Estado, o desejo de que este Estado desapareça ou a afirmação de que “povo judeu não existe” – é uma forma de antissemitismo, igual às outras. Como se os judeus fossem o único povo que não pudesse se beneficiar de tal direito. Em minha vida, vi estados sendo criados e jamais testemunhei manifestações que negassem ao Bangladesh ou ao Sudão do Sul, por exemplo, o direito de existirem.

Ora, o mundo inteiro fica focado no direito dos judeus de terem um Estado. É muito estranho, não? Claro que todos podem criticar a política de Israel. Os próprios israelenses são os primeiros a exercerem esse direito. Mas acusar o país de genocídio, como está sendo feito agora, quando o país se defende, faz parte desse antissionismo e antissemitismo.

Há uma  grande diferença entre operação militar e “genocídio”. Quando assistimos ao registro dos ataques de 7 de outubro, vemos que o modus operandi dos terroristas não é o mesmo dos combatentes profissionais. Há uma carga de ódio que os leva muito além do que é militarmente necessário.

Exatamente como os nazistas: o Holocausto, por tiros ou exterminação em câmaras de gás, não respondia a uma necessidade militar com vistas a “ganhar um conflito”. Tratava-se de extermínio deliberado, puro e simples, como o do Hamas, por ódio e sordidez.

Portanto, por mais trágicos e injustos que sejam as perdas e o sofrimento – como o são, aliás, em todas as guerras –  a necessidade militar de Israel de “ganhar contra um grupo terrorista e resgatar seus reféns” não tem absolutamente nada a ver com genocídio. Quem, como Edgar Morin ou o presidente brasileiro, vir genocídio na defesa militarmente necessária de Israel, não é outra coisa se não um asqueroso antissemita.

Missão que incomoda

Há algo de assustador no antissemitismo: é um fenômeno universal e trans histórico, desde a escravidão egípcia até os dias de hoje. A responsabilidade do povo judeu, enquanto “eleito“, de preservar intata uma mensagem universal e pacífica e transmiti-la de geração em geração é, de fato, uma missão que incomoda.

No Hagadá, texto que lemos na noite da Páscoa judaica (Pessach), uma passagem diz que “em cada geração surgiram pessoas para nos destruir, mas o Senhor, com a sua mão, nos salvou das mãos delas.”

Até a próxima que agora é hoje e este trecho significa que, em cada geração de judeus, aparecem antissemitas; contudo, o judaísmo sobreviverá eternamente aos seus perseguidores, amém!

Cinco anos sem Henry Sobel

Como rabino, foi ele quem me casou nos anos 1970, oficiou as cerimônias religiosas de meus filhos, sempre tinha uma palavra espiritual nas horas mais difíceis. Como amigo, esteve constantemente presente, fiel e atencioso. Mesmo quando deixei o país trocávamos, anualmente por correio, quase até o final, os votos de Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico). Como exemplo de integridade política, ele foi uma luz para mim e muita gente, durante os anos de ditadura militar. Em outubro de 2024, o ataque mais sangrento da história de Israel fará um ano e, no mês seguinte, completar-se-á cinco anos sem Henry Sobel. Que falta ele nos faz neste momento em que a esquerda brasileira mal disfarça seu antissemitismo!  

Rabino Henry Sobel beija o Dalai Lama

Uma vez, triste e cheia de dúvidas, eu andava em São Paulo, na mesma calçada onde o rabino morava. Não sei por que motivo ele segurava pelo fio um balão de encher vermelho, talvez para oferecer à filha. Trocamos poucas palavras, eu não disse nada, mas ele deve ter sentido o meu sofrimento. Imediatamente, ofereceu-me o balão, dizendo: “pegue, ele vai te trazer alegria e a resposta que você procura.” Foi o que aconteceu.

Este encontro se deu 14 anos depois do culto ecumênico na Praça da Sé. Também jamais esquecerei a emoção das palavras de Henry Sobel naquele 31 de outubro de 1975, na cerimônia que ele celebrou junto ao arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns e ao pastor Jayme Wright em memória de Vladimir Herzog, de quem jamais admitiu o “suicídio” forjado pelos seus torturadores. A sua íntima convicção era de que, aos 38 anos, o jornalista, filósofo, dramaturgo, político e professor fora cruelmente torturado e assassinado. “Para Vladimir Herzog”, disse ele emocionado, “ser judeu significava ser brasileiro.”

Entre milhares de pessoas, fui igualmente testemunha desta maior manifestação pública de repúdio à ditadura militar, desde 1964. E finalmente compreendi que nem tudo estava perdido. Sempre existirão os humanistas e os justos, como Henry Sobel, para proteger os direitos do homem.


‘A gente tem uma mensagem somente se a gente for uma mensagem’

Para mim, o pensamento mais maravilhoso do rabino Henry Sobel é este: “A gente tem uma mensagem somente se a gente for uma mensagem”.

Isto quer dizer que não adianta falar e publicar coisas – na mídia, nas redes, entre amigos – quando não somos exemplares como pessoas, a ponto de representar, nós mesmos, a nossa mensagem.

Fazer propaganda, autopromoção ou promoção de outros, exibindo-se, é anti-exemplaridade. Quem é modelo respeitado, ou seja, “a mensagem mesma” (como a pessoa de Sobel) o é por sua própria vida e suas ações. Jamais pelo lado externo, pela aparência narcisística que exibe aos outros.

Na França, Lula já estaria respondendo em Justiça

O rabino Henry Sobel deve viver na nossa memória também para que possamos enfrentar períodos como esse, no qual ideólogos da esquerda brasileira mal disfarçam o seu antissemitismo. Paradoxalmente, os mesmos que “tanto o admiraram” na época da ditadura militar por sua defesa dos direitos humanos.

Ocasião em que o presidente Lula junta nossa pátria aos países autocráticos e violadores dos direitos humanos que apoiaram a acusação odiosa da África do Sul contra Israel, por “genocídio”, na Corte Internacional de Justiça. Isso, sem que o “suposto crime” tenha sido caracterizado pelas leis internacionais, uma vez que Israel responde legitimamente a um ataque terrorista jamais visto em sua história.

É oportuna a lembrança que – ao contrário do presidente brasileiro – seu homólogo francês Emmanuel Macron, com base nos poderes que lhe são conferidos pela Constituição francesa, e com aprovação do Congresso nacional, em 2019 decretou “o antissionismo como uma das formas contemporâneas de antissemitismo”, delito passível de prisão como qualquer manifestação racista.

Esta decisão, coincidentemente, foi homologada no exato mês do falecimento do rabino Sobel. Na França, portanto, membros do PT, sua presidente e o presidente Lula, já deveriam estar respondendo em Justiça.

Até a próxima, que agora é hoje e “vive la Civilisation”! “Vive la Démocratie”!” Vive la République”! “Vive la France”! E viva a memória do nosso rabino que foi um exemplo!

Comissão Arns para a Defesa dos Direitos Humanos. Na foto, Dom Paulo Evaristo Arns ao lado de Henry Sobel, no enterro do jornalista, filósofo, dramaturgo, político e professor Vladimir Herzog, morto aos 38 anos, em 1975.