Cinco anos sem Henry Sobel

Como rabino, foi ele quem me casou nos anos 1970, oficiou as cerimônias religiosas de meus filhos, sempre tinha uma palavra espiritual nas horas mais difíceis. Como amigo, esteve constantemente presente, fiel e atencioso. Mesmo quando deixei o país trocávamos, anualmente por correio, quase até o final, os votos de Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico). Como exemplo de integridade política, ele foi uma luz para mim e muita gente, durante os anos de ditadura militar. Em outubro de 2024, o ataque mais sangrento da história de Israel fará um ano e, no mês seguinte, completar-se-á cinco anos sem Henry Sobel. Que falta ele nos faz neste momento em que a esquerda brasileira mal disfarça seu antissemitismo!  

Rabino Henry Sobel beija o Dalai Lama

Uma vez, triste e cheia de dúvidas, eu andava em São Paulo, na mesma calçada onde o rabino morava. Não sei por que motivo ele segurava pelo fio um balão de encher vermelho, talvez para oferecer à filha. Trocamos poucas palavras, eu não disse nada, mas ele deve ter sentido o meu sofrimento. Imediatamente, ofereceu-me o balão, dizendo: “pegue, ele vai te trazer alegria e a resposta que você procura.” Foi o que aconteceu.

Este encontro se deu 14 anos depois do culto ecumênico na Praça da Sé. Também jamais esquecerei a emoção das palavras de Henry Sobel naquele 31 de outubro de 1975, na cerimônia que ele celebrou junto ao arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns e ao pastor Jayme Wright em memória de Vladimir Herzog, de quem jamais admitiu o “suicídio” forjado pelos seus torturadores. A sua íntima convicção era de que, aos 38 anos, o jornalista, filósofo, dramaturgo, político e professor fora cruelmente torturado e assassinado. “Para Vladimir Herzog”, disse ele emocionado, “ser judeu significava ser brasileiro.”

Entre milhares de pessoas, fui igualmente testemunha desta maior manifestação pública de repúdio à ditadura militar, desde 1964. E finalmente compreendi que nem tudo estava perdido. Sempre existirão os humanistas e os justos, como Henry Sobel, para proteger os direitos do homem.


‘A gente tem uma mensagem somente se a gente for uma mensagem’

Para mim, o pensamento mais maravilhoso do rabino Henry Sobel é este: “A gente tem uma mensagem somente se a gente for uma mensagem”.

Isto quer dizer que não adianta falar e publicar coisas – na mídia, nas redes, entre amigos – quando não somos exemplares como pessoas, a ponto de representar, nós mesmos, a nossa mensagem.

Fazer propaganda, autopromoção ou promoção de outros, exibindo-se, é anti-exemplaridade. Quem é modelo respeitado, ou seja, “a mensagem mesma” (como a pessoa de Sobel) o é por sua própria vida e suas ações. Jamais pelo lado externo, pela aparência narcisística que exibe aos outros.

Na França, Lula já estaria respondendo em Justiça

O rabino Henry Sobel deve viver na nossa memória também para que possamos enfrentar períodos como esse, no qual ideólogos da esquerda brasileira mal disfarçam o seu antissemitismo. Paradoxalmente, os mesmos que “tanto o admiraram” na época da ditadura militar por sua defesa dos direitos humanos.

Ocasião em que o presidente Lula junta nossa pátria aos países autocráticos e violadores dos direitos humanos que apoiaram a acusação odiosa da África do Sul contra Israel, por “genocídio”, na Corte Internacional de Justiça. Isso, sem que o “suposto crime” tenha sido caracterizado pelas leis internacionais, uma vez que Israel responde legitimamente a um ataque terrorista jamais visto em sua história.

É oportuna a lembrança que – ao contrário do presidente brasileiro – seu homólogo francês Emmanuel Macron, com base nos poderes que lhe são conferidos pela Constituição francesa, e com aprovação do Congresso nacional, em 2019 decretou “o antissionismo como uma das formas contemporâneas de antissemitismo”, delito passível de prisão como qualquer manifestação racista.

Esta decisão, coincidentemente, foi homologada no exato mês do falecimento do rabino Sobel. Na França, portanto, membros do PT, sua presidente e o presidente Lula, já deveriam estar respondendo em Justiça.

Até a próxima, que agora é hoje e “vive la Civilisation”! “Vive la Démocratie”!” Vive la République”! “Vive la France”! E viva a memória do nosso rabino que foi um exemplo!

Comissão Arns para a Defesa dos Direitos Humanos. Na foto, Dom Paulo Evaristo Arns ao lado de Henry Sobel, no enterro do jornalista, filósofo, dramaturgo, político e professor Vladimir Herzog, morto aos 38 anos, em 1975.

Finalmente, uma bienal sem arte

Recebi o “projeto curatorial” por e-mail. Deixei a “pérola” escrita pelo “coletivo de curadores” da 35ª edição da Bienal de São Paulo dormindo quatro dias para ver se acordava melhor, quando o molusco abrisse a concha. Acordou pior.
Hoje, ao tentar explicar em um artigo “os principais conceitos e movimentos da próxima Bienal de São Paulo, que acontece no segundo semestre de 2023”, comecei pedindo ao leitor para que não confundisse “coletivo de curadores” com “veículo para transporte coletivo de curadores”. Elucidei que, como a moda é “coletivo de artistas”, curadores têm que correr atrás. Só isso.

Depois, tive que esclarecer o título: Coreografias do Impossível. Leitores são inteligentes. Sabem que coreografia é a arte de inventar passos e movimentos para compor uma dança. E que, por maior que seja a licença poética, o que não pode ser, existir ou acontecer, simplesmente não é. Nem curadoria surrealista é capaz de fazer nascer um cavalo de uma galinha…

Retrato do “coletivo de curadores” da 35a Bienal de São Paulo © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

E, no entanto, os mocinhos do “coletivo” – bem vestidos e penteados na foto para representar seus identitarismos e nacionalidades diversas – explicam que “trata-se de um convite às imaginações radicais a respeito do desconhecido, ou mesmo do que se figura no marco das im/possibilidades.”

Não entendi, e duvido que alguém entendeu…

No texto cometido, os(as) garotos(as) coletivos(as) usam direitinho o dicionário para explicar o que é coreografia e escrevem que o que os(as) interessa são “os ritmos, as ferramentas, as estratégias, tecnologias e procedimentos simbólicos, econômicos e jurídicos que saberes extradisciplinares são capazes de fomentar, e assim produzir a fuga, a recusa e seus exercícios poéticos.”

Uma curadora (ou crítica de arte) novinha bastante “branchée”, como se diz na França, ou descolada, ligada e moderna como diria o público mais “artsy” de língua portuguesa, comentou no Facebook:

“É bem oportuno esse ‘coletivo’. É a tendência…”

Seria muito bom se a garota estivesse ironizando. Não estava. Então, respondi, evidentemente, que “tendência” não é critério para nada. Só se sabe se alguma coisa é “oportuna” vendo o resultado. Se o resultado for como este “projeto” – ou seja, vago, demagógico e ignorante, que não se fundamenta em nada, só papagueia “tendências” justamente – o resultado vai ser não só medíocre como, ele sim, totalmente inoportuno.

Abaixo, colocarei o link para a pérola, de forma que o leitor  julgue por si mesmo.  Há frases muito estranhas, não se assuste. E, estranhamente também, há palavras apenas no feminino quando se trata de “pensadores, artistas, pesquisadores, ativistas, curadores, poetas” etc.

De resto, procurei e não achei, juro. A palavra “arte” não aparece nunca, em nenhum momento, neste texto absconso que não diz absolutamente nada.

Até a próxima, que agora é hoje e desisti do artigo. Mas, não desisti de amar a Bienal!

“Biennale de São Paulo, 1961”, foto de Marcel Gautherot (1910-1996).

Se tiver tempo e paciência clique 👇

E se quiser ler mais sobre o assunto,
hoje (dia 11/09) 
saiu matéria minha no 👇

Ilustríssima (Folha de S. Paulo)