A culpa do Vaticano

Para muitos, é triste e revoltante a violência de manifestantes golpistas e apoiadores da extrema-direita que não se conformam com o resultado de uma eleição democrática. Surpreende demais ver jovens, mesmo inteligentes, capazes e com estudos, justificando estes atos, ou pensando e agindo sempre com séculos de atraso.

Foto: Anderson Coelho/AFP

Penso, no entanto, que a falta de conhecimento histórico, sensibilidade ética, espírito crítico e discernimento, não são apenas de sua responsabilidade. Faz muito tempo, infelizmente, que essa massa tem sido manipulada. A culpa, me parece, não é apenas de “teóricos” como os Bannons e Olavos da vida e de “executantes” como o atroz presidente que perdeu as eleições, auxiliares e políticos que o apoiam. A culpa direta é também do Vaticano e dos católicos brasileiros, que não souberam combater a gangrena do puritanismo evangélico. 

Pior. Não souberam ajudar a separar a religião católica da política, sendo que a esquerda católica, CNBB, Dom Hélder Câmara e afins, sobretudo durante os anos da ditadura, foram a maior razão do crescimento desta sua “antítese”, a direita evangélica.

A maior ‘lavagem cerebral’ da história

Hoje, o Brasil – país católico, com uma Constituição que, desde 1988, defende claramente o Estado laico – está gangrenado por pastores e outros proselitistas que, desde os tempos da ditadura, começaram a pregar ideias e valores retrógrados para combater os “progressistas” e conseguiram realizar, com os apoios que conhecemos, a maior “lavagem cerebral” da história.  

E o Vaticano não fez absolutamente nada. Como também não fez nada nos tempos do nazismo, quando o catolicismo ainda era uma religião. Com o tempo, este Estado soberano que tem o papa como chefe, se “adaptou” e evoluiu numa forma de “humanitarismo ultra defensor dos Direitos do Homem”. Ou seja, em nossos dias, contra o ameaça do fundamentalismo evangélico, certamente fará menos aos católicos brasileiros do que fez a favor dos cristãos também em perigo no Oriente Médio.

O que esperar, então, de um povo lobotomizado?

Até a próxima, que agora é hoje e, na tragédia chamada Brasil, até judeus se tornaram evangélicos. E não sabem.

Eugenismo soft

Para o governo brasileiro, o novo coronavírus é muito conveniente. Apesar de tocar na economia, matará – mesmo sem revólver  – todos aqueles que a elite bolsonarista odeia e “pesam” ao país. Seria uma espécie de depuração da espécie brasiliana, “aperfeiçoamento” via Covid-19, eugenismo soft.

Foto: ministro da Saúde Nelson Reich, quero dizer, Teich. 

No dia 24 de março, quando assisti à “live” do psicopata que nos governa, pensei que, de fato, para Hitler (o eugenista duro), só lhe faltava o bigode. As declarações do presidente brasileiro, recebidas na Europa com horror e escárnio, traziam de volta a lembrança do verdadeiro satanás. Não o demônio que, segundo os pobres ignorantes, é responsável pelo vírus. Mas aquele que orienta a extrema-direita global, cujo nome é Steve Bannon.

Quem é que pode garantir que os discursos, escritos pelo chamado “gabinete do ódio”, com o apoio do pornô filósofo de Virgínia, de alguns ministros, responsáveis por entidades públicas e Bannon – além da questão política e econômica – não contenham intenção eugenista por trás? Se não, por que querer circulação livre, abertura de comércios, escolas e o resto, transformando pessoas em armas de destruição em massa?

Punido pela História

Só para informação, na França, a multa para quem desobedece ao confinamento é de 135€ (cerca de R$ 750) ou 200€ (R$ 1.200) em caso de recidiva em duas semanas, mas pode chegar até 3.750€ (R$ 20.900) e 6 meses de prisão para recidivas sucessivas. Além de policiais e gendarmes, outros funcionários podem agora multar as pessoas. Depois de mais de um mês fechados em casa, há cinco dias, começou a cair consideravelmente o número de pessoas hospitalizadas. Era o esperado, e desejado.

Para salvar vidas, o governo francês preferiu adiar as reformas, contrair dívidas, pagar bônus aos heróis da saúde, do nosso dia a dia, ajudar os trabalhadores e todos os necessitados. Segundo o estudo publicado no dia 22 de abril pelos epidemiologistas da prestigiosa “Ecole des hautes Etudes en Santé publique” (EHESP), o confinamento na França evitou pelo menos 62.000 mortes e 105.000 leitos de UTI em apenas um mês. Em seu último pronunciamento, no qual o citou, o primeiro ministro Eduard Philippe declarou: “Não acredito que o nosso país teria suportado isto.”

Sem confinamento, 23% da população francesa teria sido infectada, com um resultado catastrófico: a saturação dos hospitais. Assim, com quase 1 contaminado em cada 4 franceses, 670.000 pacientes teriam precisado de hospitalização e, pelo menos 140.000 casos graves deveriam ter sido custeados pela França. Hoje, a esperança renasce. Já podemos falar em futuro.

Enquanto isso, no Brasil – onde a calamidade está só no começo e mesmo assim os hospitais públicos têm praticamente todos os leitos de UTI ocupados pelo Covid-19, registrando a cada dia centenas de novas mortes – o seu presidente confunde a população, divide o país, fomenta a discórdia e a desordem. Não precisará ser julgado por um Tribunal internacional. Será julgado e punido por seu próprio povo e pela História.

Escolha de Sofia

Ontem, assistindo à posse do schmock³ que é o novo ministro da Saúde⁴ e também revendo o vídeo onde ele reafirma que “na saúde, o dinheiro é limitado e escolhas (como entre um adolescente e um idoso) são inevitáveis”, tive a confirmação da minha hipótese inicial. De fato, parece ser mesmo depuração da espécie brasiliana, “aperfeiçoamento” via Covid-19, eugenismo soft. Lembrando que “Escolha de Sofia” também foi uma invenção nazista.

Até a próxima, que agora é hoje e Nelson Reich, quero dizer, Nelson Teich, para Dr. Arthur Gütt¹, também só falta o bigode!


¹ Dr. Arthur Gütt (1891-1949), foi médico, membro do Comitê do Reich, em 1936, para a “proteção do sangue”, e editor de revistas de biologia sobre raça e sociedade alemã. Tornou-se membro do Lebensborn²  e, em 1939 tornou-se secretário da comissão do Reich para o serviço de Saúde pública.

² Lebensborn: associação patrocinada pelo Estado nazista e apoiado pelas SS (Schutzstaffel, organização paramilitar nazista), cujo objetivo era aumentar a taxa de natalidade das crianças arianas, com base na ideologia nacional-socialista de higiene racial e saúde.

³ Schmock é o insulto supremo em iídiche, muito usado por Woody Allen. Quer dizer três coisas: idiota, vergonhoso e a terceira não posso repetir aqui.

⁴Ex-ministro da saúde. Vinte e oito dias após assumir o cargo, Nelson Reich, quero dizer, Nelson Teich pediu demissão, em meio a divergências com o psicopata que circunstancialmente nos governa.