Natureza sem I.A.

São apenas bolhas efêmeras de sabão que, em contato com o frio, congelam. Devaneios que encontrei por serendipidade. O resultado é uma fantasia cuja inteligência que não tem nada de artificial. Tudo nela é verdadeiro, assim como nossos sonhos, quando dormimos.

“Na obra do verdadeiro artista, intenção e resultado são uma coisa só. Em bolhas congeladas também.”

 

A membrana das bolhas é composta por três camadas: uma de moléculas de água, ensanduichada entre duas de moléculas de sabão. Em princípio, a água congela a 0° C, mas para essa combinação química e solidificação, a temperatura necessária fica mais próxima de -15°C. A camada de água congela primeiro, seguida pela de sabão. A temperatura precisa ser exata para obter a cristalização porque a menor alteração, como a chegada de um raio de sol, pode fazer com que a bolha exploda.

A temperatura e o nível de umidade afetam a formação dos cristais, que se dividem em quatro tipos principais: estrelas, placas, agulhas e cilindros. Eles também mudam em acordo com qualquer mudança meteorológica como o vento, o sol ou a chuva.

A luz que passa por uma película de água com sabão é parcialmente refletida pelas superfícies superior e inferior da membrana. É a interferência entre a luz refletida pela película e a luz que retorna – depois de ter viajado para frente e para trás dentro da película – que causa suas variações de cor. A espessura do filme afeta a cor igualmente.

O resultado é uma fantasia cuja inteligência que não tem nada de artificial. Tudo nela é verdadeiro, assim como nossos sonhos, quando dormimos. Utópica a ponto de me fazer lembrar um pouco Jean d’Ormesson, sobre quem escrevi quando ele faleceu, há seis anos.

 

“Escritores compõem centenas de páginas sobre personagens dos quais ninguém sabe nada. É uma maneira de contemplar o universo em uma bolha de sabão.”

 

Ormesson (1925-2017), foi um escritor francês, membro da Academia francesa e autor de 40 livros, entre afrescos históricos imaginários e ensaios filosóficos sobre a vida, a morte e a presença de Deus. Escritores como ele conseguem escrever centenas de páginas sobre personagens dos quais ninguém sabe nada. É uma maneira de contemplar o universo em uma bolha de sabão.

Muitas pessoas não gostam da sua obra. Entendo isso. Ele foi o mestre da “felicidade elegante”. Acreditava na alegria e maravilha da existência, apesar das provas materiais contrárias que se acumulam no dia a dia do nosso planeta.

Pois eu, seis anos depois, com tudo que passamos nesse intervalo, continuo a adorar e respeitar quem é capaz de dar o mesmo peso e valor às provas lógicas (e abstratas) – como o amor e a fé, por exemplo – de que a vida, de maneira inversa, vale muito, mas muito mesmo, a pena de ser vivida, nem que seja só para olhar o belo e o sagrado… sem I.A.

Na obra do verdadeiro artista, intenção e resultado são uma coisa só. Em bolhas congeladas também.

Até a próxima, que agora é hoje e obrigada aos experimentadores, graças aos quais descobri, compilei e desvendei essa magia e devaneio que podem ser arte para quem decidir que são!

Retrato de Jean d’Ormesson, anos 1980, França. ©Getty – Robert VAN DER HILST/Gamma-Rapho
 

‘Omertà’ ?

Em poucos meses, recebi quase quatro dezenas de mensagens emocionantes a respeito, ou a partir, do meu primeiro romance. A metade delas é confidencial, não posso publicar. As outras se encontram no site da Editora e no especial que criei para o livro. Dos remetentes, a maior parte não conheço ou conheço de nome como a leitora que me escreveu ontem, dia 14: ‘(…) várias lágrimas derramadas pela tua forte história. Bela escrita (…)’. Alguns testemunhos, confidenciais ou não, como este (que logo publicarei no site especial do livro), me deixaram profundamente tocada. Eu é que fiquei com lágrimas nos olhos. Senti-me entendida. Também entendi. Não é difícil ler o outro, quando “nos lemos” nele. Ou, quando nos identificamos, por pura empatia, com quem nos escreve.

E, no entanto, justamente as pessoas mais próximas – familiares, colegas de profissão, críticos, jornalistas ou pessoas que trabalharam comigo – estas, fecharam-se numa espécie de “Omertà”. Nada entrou, nada saiu. Surdez e mutismo totais.

“Omertà”, para quem não sabe, é um termo que nasceu do código de honra dos mafiosos napolitanos e do seu sentido de “família”. É aquele famoso “voto de silêncio” para que não se coopere com autoridades policiais ou judiciárias, tanto em relações pessoais diretas, quanto em situações que envolvem terceiros. Usa-se a “Omertà”, por exemplo, quando um assunto é tabu.

Soube de apenas uma exceção à regra. Imbecil e maldosa (como dizia a minha avó, “as duas coisas andam juntas”) uma conhecida, aos gritos, telefonou a um familiar: “Como é que a Sheila pôde fazer uma coisa dessas?” Talvez ela não saiba o que é literatura e ficção. Mas, como escrevi no início do romance, “no palco do mundo, quem somos nós para querer saber onde termina o imaginário e começa a realidade, e vice-versa?”

Mistério?

Dizia Françoise Giroud, que eu admirava, “não adianta ter talento até a quinta linha, se o leitor não passa da terceira”. Como Matei minha Mãe, sofre de um fenômeno interessante que, para mim, não se trata exatamente de um mistério. Não é como certos romances que dividem os leitores entre os que “amam” ou “detestam”. É um livro que separa as pessoas entre as que “amam” e as que “silenciam”.  Os primeiros, certamente foram além da quinta linha, os outros não sabemos dizer, nem ao menos, se leram.

Distantes falam e próximos se calam. Ao contrário do que se possa pensar, isto me agrada especialmente. O fato é que – como com meu trabalho em jornal, críticas de arte e crônicas – não escrevo para pessoas próximas que não sejam “neutras”, que carreguem “carga pessoal” ou simplesmente se acovardam diante de um tabu ou assunto “forte”.

Também não componho trabalho literário para quem não possua hábito de leitura, curiosidade, interesse. Jamais escrevi para mim mesma. A minha responsabilidade é com leitores “genuínos”, assim como certos autores, Lispector, por exemplo, que talvez por ter sido jornalista, portava uma “obrigação” com quem a lia. E nunca escreveu, egoisticamente, para si.

Ademais, quem é chegado a um autor e adere à “Omertà”, muito provavelmente também não figura entre aqueles que “quando leem”, como escreveu Proust, “são leitores de si mesmos”. Porque, na verdade, não querem ser “leitores de si mesmos”. Talvez, até mesmo, com qualquer livro. Que autor pode reprovar tal público ou escrever para ele?

Até a próxima, que agora é hoje e, como afirmou alguém, “o leitor ideal é aquele que lê literatura como se ela fosse anônima”!

Neste vídeo, algumas opiniões sobre meu romance, escolhidas por sua Editora👇