‘O Último Homem’ (Der Letzte Mensch) é uma expressão usada por Friedrich Nietzsche (1944-1900), em ‘Assim falava Zaratustra‘, para designar a extinção iminente da transcendência humana. Representa o estado passivo do niilismo, no qual o homem… Mais
Dalai Lama: escândalo da língua cai pior do que parece
Há um ano foram revelados, na França, os escândalos financeiros e a violência sexual no seio das comunidades budistas na Europa. A imagem da ‘religião da felicidade’ foi definitivamente manchada – com reportagem na tevê e em livro* – depois de uma investigação jornalística, que levou 11 anos. O ‘escândalo da língua’ pode ir mais longe do que se imagina.
Aquela apuração que chocou os franceses tanto quanto os casos parecidos ocorridos na Igreja, lançou luz sobre estupros de menores, abusos e múltiplos maus-tratos cometidos ao longo de 50 anos por eminentes lamas em várias comunidades budistas na Europa, particularmente na França.
O Dalai Lama, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, foi informado das agressões sexuais contra mulheres e crianças, já em março de 1993. Até agora, ele e grande parte das altas autoridades espirituais tibetanas no exílio ignoraram as palavras e o sofrimento das vítimas, repetindo que “o assunto não é de sua responsabilidade.” A inação é total.
O fenômeno surpreendeu pela sua dimensão. Recolheu-se testemunhos de cerca de trinta vítimas de treze diferentes mestres budistas. E a maioria dos agressores continua ativa, dentro de uma doutrina que gozou até hoje de grande simpatia no Ocidente.
Filosofia de vida
Considerado como uma filosofia de vida, o budismo, nascido na Índia, cuja ramificação tibetana conseguiu se exportar para a Europa e a América do Norte graças a uma versão suave e adocicada, é, na verdade, uma religião como qualquer outra. Também pode mostrar grande violência, como acontece com o grupo de monges budistas extremistas e intolerantes que perseguem a minoria muçulmana Rohingya, na Birmânia.
O budismo é essencialmente dogmático, tem promessas de salvação e ameaças de inferno como corolário. Para acessar ao que é a “graça” no cristianismo, os discípulos do budismo devem se submeter à vontade do mestre, um verdadeiro guia espiritual. Esta é uma particularidade que, como se sabe, pode abrir caminho para disfunções e derivas. Sobretudo se o mestre for um doido de pedra e desonesto, como já aconteceu.
Até a próxima, que agora é hoje e o “escândalo da língua”, portanto, cai ainda pior do que é. Cultural ou não, brincadeira inocente ou não, com ou sem desculpas, mesmo se o Dalai Lama estiver gagá, esse gesto – inapropriado, aos olhos do Ocidente – faz lembrar que, de fato, doutrinas podem permitir a certos mestres qualquer coisa. Mesmo crimes de pedofilia.
Bouddhisme, la loi du silence, Élodie Emery et Wandrille Lanos
Carta aberta à Associação Brasileira de Críticos de Arte
No final do ano passado recebi a proposta de renovação do Prêmio ABCA. Nos termos do documento a ser votado, encontrava-se esta pérola de “problema detectado”: a nomeação das categorias com nomes de críticos/as deveria “sanar algo muito importante: a presença majoritária de nomes de homens brancos nas nomenclaturas dos prêmios, à exceção de Mário de Andrade (que era negro) e Maria Eugênia Franco (que foi mulher).” Quando li essa “caricatura woke” e percebi que a nossa querida e respeitada Associação também começava a ficar subjugada pela imbecilidade das cotas e a ser pega na armadilha da paranoia universitária, resolvi me abster. O fato é que, em março de 2021, duas dessas universitárias associadas haviam apresentado uma proposta de ação institucional intitulada “Pluralidade Crítica”, com o objetivo de “contribuir para o enfrentamento à discriminação étnica, racial, geopolítica, de classe e gênero que (segundo elas) permeia as estruturas institucionais brasileiras”, discriminação da qual, até hoje, até conhecer as provas, ninguém nunca ouviu falar. Depois, imaginei que a chamada Comissão de Pluralidade Crítica, vinha se reunindo para “pensar propostas”. Porém, não passava pela minha cabeça que a sua verdadeira intenção, talvez, fosse relativizar o poder da presidência e direção da ABCA, criando uma espécie de “poder paralelo”, sob aura de “democracia”. E, no entanto, acabo de descobrir: a tal comissão constitui estratégia de domínio e controle, marketing e propaganda ideológica.
Para a arte, é muito grave. Arte é liberdade.
Se não, vejamos: ontem, todos os associados receberam, a pedido da soi-disant Comissão de Pluralidade da Associação, a ata de sua última reunião. Segundo a CPA, a sua pauta “tratou do fechamento de suas sugestões para o prêmio ABCA e seria muito importante (sic) uma divulgação rápida, uma vez que está próxima a data limite para as indicações gerais.”
Ora, os 15 membros do “poder paralelo” ou, se preferirmos, da “milícia de prescritores ideológicos”, revelam abertamente seus votos, só que no formato legitimado pela palavra “sugestões”. Ou seja, fazem descarada propaganda eleitoreira, sob o disfarce de “ata”.
Atente para o escândalo (e se possível ria, para não chorar): dos 15 membros da “Comissão de Pluralidade Crítica”, 8 foram indicados aos prêmios. Ou seja, foram “autoindicados”. Se não acredita no que leu, repito: mais da metade da Comissão sugeriu-se, a si mesma, para os prêmios mais importantes, enviando seus próprios nomes aos associados, para que estes, no caso de não saberem em quem votar, usem a sugestão. Entendo que os eleitoreiros estejam preocupados com uma “divulgação rápida” e, agora, aliviados que a votação foi prorrogada, certamente a seu próprio pedido. Publicidade curta não é eficiente.
Mas o escândalo não para aí. Para os colegas que não têm a minha paciência de contar, os números, mais ou menos exatos (esqueci, poderia ter consultado o ChatGPT), são estes:
14 prêmios – 41 pessoas indicadas individualmente, em grupos ou instituições – 11 brancos – 30 negros – 11 Instituições e/ou exposições com parti pris ideológico, identitarista, racialista ou outro – 1 Instituição sem partis pris.
Número de indicados, que foram justificados por portarem as seguintes questões (acumuladas ou não):
Decoloniais – 20
Feministas/racialistas – 19
Identitaristas – 18
Africanas, afro-brasileiras/ameríndias/étnicas – 14
De gênero/LGBTQIA + – 6
Sustentabilidade/diversidade/ambientalismo/ativismo – 5
Apenas artísticas/sem ideologia – 4
Como se vê no documento enviado (que não publicarei aqui, evidentemente), cumpre-se o intuito de “tornar a premiação (e a produção crítica) mais inclusiva”. Na teoria. Na prática, o resultado é sempre o mesmo: o gênero torna-se mais importante do que o corpo, a raça mais relevante do que o ser humano, o universal dá lugar ao particular precário, a magnanimidade cede o espaço ao mesquinho, a vitimização decolonial fica acima da política de convergência e a “inclusão” torna-se mais necessária do que valor cultural e qualidade estética.
Sem discutir o valor cultural e a qualidade estética destes “conselhos” (que, provavelmente, poucos pediram), devemos lembrar, por outro lado, que a “denúncia de discriminação” e a “fúria inclusiva”, podem ser formas inversas e perversas de marketing. Permitem autopromoção, como acabamos de ver, mas também colocam sob holofotes valores duvidosos, trabalhos considerados ruins (porque são ruins mesmo, e não necessariamente de uma ótica colonialista, branca, patriarcal ou eurocêntrica) ou que não são vistos e percebidos por si próprios (porque de fato não têm nada para chamar a atenção, nem mesmo um programa estético) e que por estas razões não vendem e não “se vendem”.
Uma vez que, segundo o regulamento, o voto é secreto, esse processo de influência nada mais é senão um método coercitivo. Lembra as antigas (e já condenadas) publicidades que certos indicados faziam de si, pedindo votos aos colegas por e-mail. Deveria ser terminantemente proibido aos membros ou grupo de membros da Associação Brasileira de Críticos de Arte, dar aos associados qualquer “instrução de voto”, por mais que caiba a uma comissão, a “construção de uma política plural”. Não é por imoralidade que se constrói moralidade.
Com todo respeito à presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte, cuja probidade e capacidade são inquestionáveis, e cujo dever democrático certamente a obriga a acolher esta “aberração infiltrada”, peço, urgentemente, a convocação da eminente Comissão de ética para se manifestar sobre essa disfunção que, na minha opinião, fere os nossos valores e a nossa ética.
APELO URGENTE AO MUNDO BRASILEIRO DA ARTE
É a primeira vez na história que uma religião destruidora da liberdade nasce nas universidades. E não só no Brasil. Seu objetivo é “desconstruir” toda a herança cultural e científica de um Ocidente acusado sistematicamente de ser machista, racista e colonialista. A ABCA abre as suas portas para a instauração de uma outra ditadura. Aquela que se faz, em nome do “bem” e da “justiça social”, mas beira o fanatismo fundamentalista. E sempre esconde uma grande indigência e mediocridade intelectual. Acomete os universitários que não tem nenhuma capacidade de produzir e oferecer à sociedade algum valor intelectual autêntico e original.
Críticos de arte e historiadores, pesquisam eventos passados de povos, países, períodos e indivíduos. Não podem compactuar com essas tentativas de deformação da realidade, com a pobreza dessas óticas alimentadas por ressentimento e ódio do “politicamente correto” decolonial, identitarista, etnicista, racialista; também do ideologismo geopolítico, de gênero, classe, tantos outros. Não devem aceitar que pretensos intelectuais queiram mudar a história à sua conveniência, usar critérios externos à arte, julgando textos e obras, às vezes de há séculos, com olhos de hoje, atuando como revisionistas e cancelistas.
Até a próxima, que agora é hoje, e peço aos queridos colegas de todos os Estados brasileiros: nunca esqueçam a palavra “liberdade”, nunca hesitem em denunciar estratégias de poder e propaganda, e sempre ignorem quaisquer diretivas! Podemos e devemos indicar quem quisermos e, sobretudo, penso eu, jamais votar em críticos de arte que se “autoindicam”.