Discussão ‘purista’ sobre a capa da Folha

O governo atual não gostou e o pessoal das redes caiu matando a Folha pela foto que o jornal publicou na sua primeira página, ontem, dia 19, ao mostrar o presidente Lula por trás de um vidro estilhaçado. Nessa imagem (o jornal avisa que é feita com técnica de múltipla exposição), o presidente, que chega ao Palácio do Planalto, parece ferido no coração. Você pode ver a cena, no final deste artigo. 

Imagem em destaque: Luiz Inácio Lula da Silva. 2016, dois anos antes de sua prisão. Foto AFP / Evaristo Sá

Sem dúvida, “montagem” não é fotojornalismo. Mas a explicação da fotógrafa defendendo o seu parti pris, quando viu a reação dos “haters”, a meu ver, é tão vã, quanto ingênua. Ao contrário do que ela diz, se a foto é composta na hora com o aparelho fotográfico ou depois com PhotoShop, dá exatamente na mesma.

Trata-se, evidentemente, de manipulação de imagem – coisa que, aliás, não deveria ter indignado ninguém. Afinal, é o mesmo que ocorre, por exemplo, quando se ilustra uma matéria de jornal com expressões “significativas” de rosto, cenas de guerra exageradas ou minimizadas, registros incompletos de fatos etc. Basta lembrar os retratos do ex-presidente, com semblantes atrozes ou imbecis, escolhidos (e bem escolhidos) “a dedo” por todos os jornais nacionais e internacionais, durante anos. Não é “manipulação”?

Jair Bolsonaro. Foto AFP / Evaristo Sá

Nenhuma imagem jornalística é neutra

Fotojornalismo ou não, imagens sempre saem do olho de alguém, depois são selecionadas e, por último, interpretadas por quem as vê. Nenhuma imagem jornalística é neutra. Com ou sem artifícios, constantemente carregam e/ou sugerem alguma mensagem ao leitor.

Nessa direção, a foto escolhida pelo jornal Folha de S. Paulo – apesar de desairosa – não pode ser mais adequada ao artigo que ela ilustra. Claro que há conexão com o conteúdo dele. Além disso, atinge todos tipos de leitor. O de esquerda, vê o presidente como vítima; o de direita, como alvo. Chocados ou não, é “jornalismo para todos”.

Essa discussão “purista” sobre o suposto fake da “múltipla exposição” não faz, portanto, o menor sentido. Até a próxima, que agora é hoje, e a questão está apenas na péssima foto, que reproduzo abaixo. Escura, apelativa e sensacionalista. Ruim demais. Tão sombria que até Lula, agora rosa claro, mudou de cor!

Foto feita com técnica de múltipla exposição mostra o presidente Lula e vidro avariado após ataques do dia 8 – Gabriela Biló – 18.jan.2023 / Folhapress
Jair Bolsonaro. Foto AFP / Evaristo Sá

No dia mundial, 17 anos sem tabaco!

Hoje, 31, Dia Mundial sem Tabaco, faz 6.574 dias, 939 semanas, 215 meses, 567.993.600 segundos, 9.466.560 minutos e 157.776 horas que parei de fumar. Por esta razão, e para ajudar outras pessoas, respondi voluntariamente a um questionário da Folha. “O que te levou a parar de fumar ou a reduzir o consumo de cigarros? Quais estratégias utiliza para parar de fumar ou diminuir o cigarro? Está economizando?” Depois de contar isto rapidamente, logo abaixo conto também a pequena história com uma moça russa, vestida como uma russa, com sotaque e cara de russa. Não podia ser mais russa. Sendo que os russos, hoje, estão em pauta.

Sarah Lucas,”Querubim” (2006). Desde que deixou os cigarros árabes como material, Lucas produz as obras mais licenciosas, repulsivas e provocadoras do Reino Unido. Vi os “horrores” dela pela primeira vez na Bienal de Veneza, em 2015. Depois, na Tate Gallery, em Londres.

Respondi às perguntas do jornal por meio do Google Forms, aplicativo que gosto bastante de usar em sondagens e mensagens de leitores, como usei em Querida Sheila, site interativo que criei, em 2010, bem depois do blog Quando, Onde e Como (QOC, para os íntimos). À primeira pergunta sobre o que me levou a parar de fumar, respondi:  meu blog. Quando decidi parar de fumar em 2005, comuniquei aos leitores do QOC:

“Leitor querido, amigo do QOC, blog world, bom dia! Estou em guerra, não repare por favor. Primeira batalha. E que difícil! Olha o arsenal: chicletes, gomas, balinhas (tudo sem açucar), tic-tac e adesivos de nicotina receitados pelo meu médico, para colar no braço. Ai que pesadelo essa luta contra o cigarro. Quando me despedi dele, até chorei. Foi um ‘bom’ companheiro que me fazia mal. Daqueles para quem a gente não tem coragem de dar um basta. Como resolvi? Com papel e lápis. Assim, em duas colunas: de um lado escrevi os prazeres e de outro os problemas. A lista dos problemas ficou tão mais longa, que não tive alternativa. Não que não tenha me preparado. Fui me preparando aos pouquinhos, deve ter levado umas duas semanas e, um dia, quando acordei com aquela mesma tosse e sensação de estar intoxicada, me olhei no espelho e disse: ‘É hoje! Cigarro, eu te odeio! Liberdade ou morte! Em guarda objeto abjeto!’ Espero conseguir vencê-lo, veremos. Se não conseguir não serei a primeira nem a última, mas pelo menos estarei convencida de que aceitei conviver com o inimigo.”

Imediatamente, os leitores formaram a Torcida Organizada Contra a M… do Fumo.  Foi a chamada TOCMF, com selinho criado pela Lúcia, arquiteta blogueira e escritora, um logotipo que dezenas de outros blogueiros também colocaram em seus sites. Eu não podia decepcionar tanta gente. Portanto, parei. Ainda hoje, agradeço o apoio deles.

João, Alma, Ana Lúcia, Ângela, Angélica, Betão, Boczon, Bruna, Carolina, Célia Regina, Charles, Cipy, Clarissa, Daniel, Dudi, Edu, Elisa, Gisela, Giselda, Helô, Idelber, Julie, Lúcia, Márcia, Meg, Navegador, Panis, Patrick, Paulo, P. Cornovitch, Sarah, Zana, Zé, Fernando, Luciana, Lila, Luís, Luis Carlos, RMax, Maria Elisa, Cora, Gabriela, Vera, Lília, Aly, Elsa, Daniela, Geneviève, Luiz Roberto, Claudia, Mércia, Jeanete, Lila 2, Bibi, Jorge, Michael… Estes 56 foram apenas alguns dos amigos, leitores e familiares, meus aliados na batalha contra o cigarro. Não é possível colocar todos aqui. Já é uma bela linha de frente, não? Pois bem, graças a ela venci o inimigo! Mesmo sem tic-tac.

Verdade que no início o meu cérebro funcionava em velocidade paquidérmica. Às vezes demorava para cair a ficha. Também o sono e a fome ficaram um pouco desnorteados. Mas, em compensação, a tossinha desapareceu e eu já subia escadas depressa, sem ficar esbaforida. Como publicou a Folha, começar a sentir o gosto de cenoura ralada foi uma experiência maravilhosa, de fato. Se economizo? Que pergunta!  O meu bolso me agradece todos os dias. Na França, onde o maço custa mais ou menos R$ 51,25 economizo o equivalente a duas viagens de ida e volta ao Brasil, incluindo a estadia.

Não tenho nada contra quem fuma, detesto moralismo, pregação e proselitismo, porém acho importante partilhar experiências. Hoje, não sinto mais nenhuma vontade, o cheiro do cigarro ficou insuportável e me dá muita pena quando vejo pessoas poluindo seus pulmões, estragando a sua saúde, perdendo energia, ficando feias, com a pele encardida, os dentes escuros, o hálito fétido, os dedos amarelos e arriscando a própria vida com esta porcaria. Imundície que me fez perder o tio paterno que eu mais admirava.

A Coisa Tá Ficando Ruça*

 

“Mulher fumando um cigarro”, Pablo Picasso (1903)

Eu tinha um tique. Antes de acender o cigarro, dava umas batidinhas com ele no meu isqueiro. Não sei se era um tique, um ritual ou se era para que o fumo ficasse mais compacto. Ou se estava tentando dizer algo assim como “eu sei que fumar faz mal e a sua opinião não me interessa”. Talvez eu tivesse visto o gesto em algum filme e ele ficou na minha cabeça. Ou ainda fosse apenas porque essa era a única e elegante expressão masculina de autoridade que eu me permitia. Enfim, não sei o que eram essas batidinhas…

Fui à uma festa. Era uma daquelas em que o anfitrião mistura tudo que é gente para ficar mais “interessante”. Ator, crítico de arte, prêmio de literatura, artista da exposição do momento, politécnico, conservador de museu, curador brasileiro etc. Ninguém se comunica, mas fica mais interessante. Tinha lá uma moça russa, vestida como uma russa, com sotaque e cara de russa. Não podia ser mais russa. Só que, ao contrário dos russos, ela não era simpática. Não era agradável com ninguém e sobretudo comigo. Cada vez que eu acendia um cigarro, ela me olhava feio, mas muito feio mesmo. Até o momento em que se aproximou e inquiriu: “Me diga uma coisa, porque é que você bate com o cigarro no isqueiro antes de acender?”. “Estou incomodando com a fumaça?”, perguntei educadamente. “A fumaça não me incomoda, eu também fumo”. “Então é a marca?” perguntei de novo. “Não, eu também fumo cigarros americanos”.

Olhei-a bem para me certificar de que ela não tinha exagerado na vodca: “Nesse caso, qual é o problema?”. Ela afirmou peremptória: “Você é da KGB.” “KGB, eu?” “Você é da KGB!” repetiu, me fuzilando com os olhos. Eu quis rir, mas resolvi responder no mesmo tom: “Olha aqui, não lhe dou o direito de me acusar, mesmo porque se eu parecesse de algum serviço secreto, seria o polonês e não o russo!” Uma vez que ela continuava a me olhar de maneira inquisitória, emendei: “…seria o brasileiro e não o russo!” Como ainda não parecia convencida, indaguei: “Afinal, o que faz você pensar que sou da KGB?” “Você bate com o cigarro no isqueiro antes de acender.” “E daí?” “Esse é o código da KGB!”. Ela virou as costas e eu acendi mais um cigarro, não sem antes dar umas batidinhas com ele no meu isqueiro. E parei de fumar, definitivamente, alguns anos depois.

* Esta pequena história (verdadeira) está no meu livro Direi Tudo, que você pode encontrar aqui ou aqui  ou ainda em algumas livrarias, como esta.

Até a próxima, que agora é hoje, Dia Mundial sem Tabaco e, cigarro, odeio você! Liberdade ou morte! Em guarda objeto abjeto!

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