95 anos, e Tintim sempre o mesmo ídolo

Começo 2024 com Tintim, que hoje está um jovem velhinho com o qual nós, não tão velhinhos, mas verdadeiros baby boomers , podemos nos identificar. Tintim é Hergé, seu criador, claro! O positivo e modelar herói loiro de topete da nossa infância e juventude, repórter no qual nos projetávamos, e seu cachorro Milu – com mais de 250 milhões de álbuns vendidos no mundo, traduzidos em 110 línguas e dialetos – mesmo quando não podemos dizer que fomos ou somos verdadeiros “tintinófilos”. Isso, embora o personagem tenha sido criado em 1929 e constitua apenas a parte mais visível de uma obra com outras figuras e uma grande invenção, a famosa “linha clara”: o estilo de desenho que utiliza um só traço negro em torno das imagens e que influenciou até mesmo a Pop art.

Imagem de abertura: Tintim e Milu • Créditos : © Hergé-Moulinsart 2018

Além da centena de personagens – entre as quais estão o Professor Girassol, Dupond e Dupont, Bianca Castafiore, Nestor, Rastapopoulos, Dr. Müller -, quem pode esquecer da residência do Capitão Haddock, calcada no castelo de Cheverny? E por falar nesse marinheiro, os curadores da grande exposição no Grand Palais em Paris dedicada a Hergé, em 2016, foram felizes na criação da sua página Twitter (hoje “X”) com um “gerador de insultos”. Assim, se as pessoas tivessem uma veia um pouco masoquista e quisessem ser injuriados(as) em francês de “Bachi-bouzouk!”, “Bugre falso ao molho tártaro”, “Espécie de cabra mal penteada”, “Coloquíntida com gordura de porco-espinho” ou “Ectoplasma de rodinhas”, bastava seguir o vociferador e dialogar com ele. Eu fui insultada de “Sombra oricterope”!

Muito se fala da “questão colonialista” nas histórias de Tintim. Coisa de woke não pode faltar. Mas entre os 600 livros que lhe foram consagrados, Albert Algoud, autor do volume integral dos xingamentos do Capitão (Ed. Casterman, 2014),  que lançou também o Dicionário amoroso de Tintim (Ed.Plon), esclareceu um aspecto menos conhecido. O da batalha entre célinianos e tintinófilos, sobre a paternidade dos palavrões. Teria Hergé se inspirado em Louis-Ferdinand Céline para criá-los? Ora, parece que o barbudo Haddock de bom coração – fumador de cachimbo e colérico, também nascido do célebre Pencroff, personagem de Júlio Verne em “A Ilha Misteriosa” – sim, ele proferia horrores inspirados pela pluma (antissemita) do escritor e médico francês. Que honra e… decepção.

Um grande artista contemporâneo

A origem do pseudônimo do criador de Tintim deve-se às iniciais invertidas “RG” (de Georges Rémi), cuja pronúncia é “Hergé”. Hergé (1907-1983) foi um desenhista que esgotou todas as suas possibilidades de criação, inspirando-se inclusive em outros cartunistas, países, regimes, civilizações antigas e primitivas. No processo criativo do mestre, fica evidente a influência que tiveram sobre ele diferentes formas de arte como o cinema, a fotografia e também as ilustrações de Benjamin Rabier (autor da famosa “vaca que ri” do Polenguinho francês).

Fora da obra do gênio, quanto ao indivíduo, ainda resta a sombra de um grande mistério. Ele foi de fato um grande artista contemporâneo, uma das figuras mais conhecidas do planeta, porém também uma das mais elusivas. Por esta razão talvez, não apreciei a cronologia invertida naquela exposição retrospectiva no Grand Palais, há oito anos.

Começava por mostrar um sofisticado homem de cultura, para terminar com a infância dele em Bruxelas, sua cidade natal, a admiração pelo escotismo e as imagens do primeiro amor Milu, apelido da namorada. Esse “percurso ao contrário” perturbava, e muito. Opunha-se à ambição e à luta formidável de um artista sobre o qual uma das únicas coisas que sabemos de seu íntimo é que, inversamente, desejou sair da “cinza e medíocre juventude” e ganhar o vasto mundo.

Até a próxima que agora é hoje, primeiro dia do ano e, como diria Hergé, “as maiores aventuras são as interiores”! Mas como diria também o Capitão em “O Caranguejo das pinças de ouro” (e, no momento mundial presente, você pode interpretar como quiser) “VINGANÇA! VINGANÇA! VINGANÇA! VINGANÇA! Canalhas!… Emplastros!… Pés-descalços!… Trogloditas!… Caramelos-Tchuk-tchuk!”

Feliz Ano Novo, queridos amigos e leitores!

Criado por Hergé, personagem Tintim completa 95 anos – Créditos : © Hergé-Moulinsart 2018

O que crianças deportadas têm a ver com Lula?

Fiz esta foto ontem, dia 16, com lágrimas nos olhos. A placa-homenagem encontra-se no parque, onde costumo caminhar. Presas pela polícia do governo de Vichy, cúmplice do ocupante nazista, mais de 11.000 crianças foram deportadas na França, de 1942 a 1944. Terminaram assassinadas em Auschwitz, porque eram judias. Mais de mil, viviam no meu bairro. Entre elas, 133 eram bebês e crianças pequenas, cujos nomes e idades estão ali. Desde recém-nascidos até criancinhas de 7 anos, nem tiveram tempo de frequentar uma escola. Abaixo, lê-se: “Passante, leia o nome destes pequenos, a sua memória é a única sepultura que eles têm”.

Não é por acaso que tantos, na França e Europa, estão chocados com as declarações e posições do presidente brasileiro. Ontem, ele figurou nas críticas de mesas redondas, nos editoriais de alguns jornais como o suíço Le Temps (importante publicação humanista) e foi até mesmo alvo de ironia no Jornal das 8, de France 2.

Admite-se, de um lado, que a eleição de Lula representou um alívio para os defensores da democracia no Brasil, mantendo uma certa ordem mundial, baseada nos direitos. De fato, o governo eleito também tirou o país do isolamento de quatro anos e faz negociações importantes para a economia do país. Por outro lado, no entanto, sua entrada em cena parece criar mais problemas do que êxitos.

Antiamericanista obtuso

Dizem que, além de tomar sol e fazer exercícios físicos, Lula “leu muito” na prisão de Curitiba. Precisa ver qual foi a leitura, porque o, agora, presidente brasileiro parece continuar o mesmo ex-sindicalista ignorante. Antiamericanista, anti-imperialista obtuso, passa o seu tempo a negar a História e a adorar ditadores.

E, no entanto, não faz muito tempo que graças aos Estados Unidos e ao sacrifício de milhares de americanos, o nazismo foi vencido e a Europa liberada. A democracia é salva até hoje por este país que, felizmente, também ajuda a Ucrânia a se defender de um invasor ilegítimo e totalitário, mantendo a força do bloco democrático europeu.

O presidente chinês Xi Jinping e seu homólogo brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva, no Palácio do Povo em Pequim, dia 14 de avril, 2023. Foto: afp.com/Ken Ishii

Com tudo isso, o presidente brasileiro ousa declarar que “os EUA incentivam a guerra.” Estando na China igualmente totalitária, e aliada da Rússia, atreve-se a provocar a maior democracia do planeta com a reflexão, mais ideológica do que econômica, sobre o “dólar”. E o “Clube da paz”, então? Que balela…

Gente ruim

Hoje, dia 17,  depois de ter passado pelos Emirados Árabes – monarquia absolutista do Oriente Médio, “amiga” dos Bolsonaros, onde, como alguém disse, “não se vota nem para síndico” –  Lula recebe mais um criminoso asqueroso chamado Serguei Lavrov, que muito provavelmente também será condenado no Tribunal Internacional de Haia, igual ao seu chefe. Lula acolhe um chanceler vindo de onde,  há duas décadas, um ex-espião corrói a democracia e transforma seu país em ditadura. Brics “oblige”.

Se o leitor se lembra, há um ano exatamente, Israel exigiu pedido de desculpas pelas declarações deste ministro das Relações Exteriores da Rússia, homem de Putin. Em entrevista à TV italiana, ele foi questionado: “como é possível a Rússia dizer que precisa ‘desnazificar’ a Ucrânia, uma vez que o presidente, Volodymyr Zelensky, é judeu?” Lavrov respondeu: “Hitler também tinha sangue judeu. Isso não significa absolutamente nada.” E acrescentou: “os antissemitas mais raivosos são os próprios judeus”.

Lula sempre recebeu gente ruim. Mas a visita do “monstro do Kremlin” acontece bem debaixo do nariz da Europa e dos Estados Unidos, que certamente esperam para ver qual insensatez sairá, desta vez, do desbocado presidente brasileiro.

Alerta

Esta placa-homenagem aos bebês e crianças é um alerta aos que se alinham a ditaduras como a de Xi Jinping e, por tabela, à Rússia, à sanguinária e teocrática Arábia Saudita, Coreia do Norte, Catar e  Síria, entre outras aliadas da China.  Mesmo que certos acordos e promessas entre Brasil e este país possam ser positivos – como o de infraestrutura, saúde, pesquisa científica, ambiente, agronegócio, carros elétricos etc -, toda e qualquer autocracia representa o ressurgimento do totalitarismo soviético e do nacional socialismo nazista. Mesmo a da Venezuela e as africanas. Não são flores que se cheire.

Até a próxima, que agora é hoje, e é sempre, e principalmente, a incultura, a negação ou a deformação da História que conduzem à irresponsabilidade política e ao desastre geopolítico. Está cada vez mais difícil acreditar que “o Brasil volte” a ser o “país do futuro” que já foi, um dia.