Ser ‘povo eleito’ é privilégio?

Um amigo me perguntou no Facebook: “por que somos chamados ‘povo eleito’?” Não sou especialista, nem rabina, mas achei a pergunta boa porque dá a oportunidade de explicar a incompreensão em torno do termo “eleito” e a difamação antissemita que diz que judeus se consideram “superiores” porque foram “eleitos”.

Idolatria.

Na verdade, é bem o contrário. Está na Torá e, também, na literatura rabínica. Deus dirige-se a Abrão, dizendo: “Farei de ti uma grande nação”. Trata-se da proposição de uma “aliança”. Só que Abrão, ao aceitar o pacto, efetua um contrato com poucas vantagens e muitas restrições. Topa o fato de sermos o único povo monoteísta, numa época de adoração de ídolos, para “servir de exemplo a outras nações”. E promete prestar contas a Deus por cada uma de nossas falhas.

É um trabalhão desgraçado, inclusive para convencer os “infiéis” veneradores de estátuas.

Propaganda é a alma do negócio

Fomos “eleitos”, portanto, para firmar essa “ligação com Deus”. De certa forma “usados”, um pouco como estratégia de marketing e relações públicas… Divinos. Faz 5.784 anos que a “propaganda é a alma do negócio”.

Além disso, há a tal da aceitação das tábuas da Lei no Monte Sinai, um compromisso entre o povo de Israel e Deus, que lhe impõe igualmente a “escuta” fiel e constante da Sua Palavra sagrada. É a tal “Escutai Israel” (Shemá Israel), frase que tantos recitam sem saber o que significa.

“Shemá Israel”, o tempo todo, também não é bolinho.

Eles acordam os que não querem acordar

E, ainda por cima, enquanto “povo eleito”, os judeus ficaram com a responsabilidade de preservar intacta e transmitir uma mensagem universal e pacífica, através do texto bíblico. Sendo que, hoje, têm que defender e preservar, também, o próprio país atacado de todos os lados.

O filósofo Alain Finkielkraut – a quem fui apresentada (e com quem fiquei encantada) no consulado francês em São Paulo, nos anos 1980 – costuma dizer que “esse povo eleito existe para acordar o mundo”. Ora, quem acorda os que não querem acordar, só pode levar paulada.

‘Povo eleito’ é gerador de problemas

Como se vê, ser “povo eleito” não é nenhum privilégio. Ao contrário, os estudiosos e religiosos judeus e cristãos consideram esse estatuto apenas como gerador de obrigações, exigências e sacrifícios.

Os muçulmanos sempre nutriram ressentimento pelo fato de os judeus terem sido o primeiro povo monoteísta. Mas, por que Deus escolheu fazer aliança conosco, antes de todo mundo? Porque sempre fomos insignificantes em número e frágeis na nossa história de escravos de um Faraó. Eternamente perseguidos. É mais fácil fazer acordo com quem está “na pior” do que com quem está “numa boa”.

Humildade

Por outro lado, “povo eleito” quer dizer “depender de Deus”, uma decisão muito humilde, oposta a qualquer ideia etnocêntrica. O significado bíblico de “povo eleito” é que nós, judeus, como já escrevi acima, temos uma missão. Sermos portadores de uma mensagem de amor universal e humanista.

Está no Gênesis: “Todas as nações da terra serão abençoadas em tua descendência, porque obedeceste à Minha voz”. Assinado: Deus.

Até a próxima, que agora é hoje, e é muito lindo! Mas que sujeição e responsabilidade nossa, não?

“O Bezerro de Ouro”, Nicolas Poussin (1594-1885)

Deixe um comentário: