O que crianças deportadas têm a ver com Lula?

Fiz esta foto ontem, dia 16, com lágrimas nos olhos. A placa-homenagem encontra-se no parque, onde costumo caminhar. Presas pela polícia do governo de Vichy, cúmplice do ocupante nazista, mais de 11.000 crianças foram deportadas na França, de 1942 a 1944. Terminaram assassinadas em Auschwitz, porque eram judias. Mais de mil, viviam no meu bairro. Entre elas, 133 eram bebês e crianças pequenas, cujos nomes e idades estão ali. Desde recém-nascidos até criancinhas de 7 anos, nem tiveram tempo de frequentar uma escola. Abaixo, lê-se: “Passante, leia o nome destes pequenos, a sua memória é a única sepultura que eles têm”.

Não é por acaso que tantos, na França e Europa, estão chocados com as declarações e posições do presidente brasileiro. Ontem, ele figurou nas críticas de mesas redondas, nos editoriais de alguns jornais como o suíço Le Temps (importante publicação humanista) e foi até mesmo alvo de ironia no Jornal das 8, de France 2.

Admite-se, de um lado, que a eleição de Lula representou um alívio para os defensores da democracia no Brasil, mantendo uma certa ordem mundial, baseada nos direitos. De fato, o governo eleito também tirou o país do isolamento de quatro anos e faz negociações importantes para a economia do país. Por outro lado, no entanto, sua entrada em cena parece criar mais problemas do que êxitos.

Antiamericanista obtuso

Dizem que, além de tomar sol e fazer exercícios físicos, Lula “leu muito” na prisão de Curitiba. Precisa ver qual foi a leitura, porque o, agora, presidente brasileiro parece continuar o mesmo ex-sindicalista ignorante. Antiamericanista, anti-imperialista obtuso, passa o seu tempo a negar a História e a adorar ditadores.

E, no entanto, não faz muito tempo que graças aos Estados Unidos e ao sacrifício de milhares de americanos, o nazismo foi vencido e a Europa liberada. A democracia é salva até hoje por este país que, felizmente, também ajuda a Ucrânia a se defender de um invasor ilegítimo e totalitário, mantendo a força do bloco democrático europeu.

O presidente chinês Xi Jinping e seu homólogo brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva, no Palácio do Povo em Pequim, dia 14 de avril, 2023. Foto: afp.com/Ken Ishii

Com tudo isso, o presidente brasileiro ousa declarar que “os EUA incentivam a guerra.” Estando na China igualmente totalitária, e aliada da Rússia, atreve-se a provocar a maior democracia do planeta com a reflexão, mais ideológica do que econômica, sobre o “dólar”. E o “Clube da paz”, então? Que balela…

Gente ruim

Hoje, dia 17,  depois de ter passado pelos Emirados Árabes – monarquia absolutista do Oriente Médio, “amiga” dos Bolsonaros, onde, como alguém disse, “não se vota nem para síndico” –  Lula recebe mais um criminoso asqueroso chamado Serguei Lavrov, que muito provavelmente também será condenado no Tribunal Internacional de Haia, igual ao seu chefe. Lula acolhe um chanceler vindo de onde,  há duas décadas, um ex-espião corrói a democracia e transforma seu país em ditadura. Brics “oblige”.

Se o leitor se lembra, há um ano exatamente, Israel exigiu pedido de desculpas pelas declarações deste ministro das Relações Exteriores da Rússia, homem de Putin. Em entrevista à TV italiana, ele foi questionado: “como é possível a Rússia dizer que precisa ‘desnazificar’ a Ucrânia, uma vez que o presidente, Volodymyr Zelensky, é judeu?” Lavrov respondeu: “Hitler também tinha sangue judeu. Isso não significa absolutamente nada.” E acrescentou: “os antissemitas mais raivosos são os próprios judeus”.

Lula sempre recebeu gente ruim. Mas a visita do “monstro do Kremlin” acontece bem debaixo do nariz da Europa e dos Estados Unidos, que certamente esperam para ver qual insensatez sairá, desta vez, do desbocado presidente brasileiro.

Alerta

Esta placa-homenagem aos bebês e crianças é um alerta aos que se alinham a ditaduras como a de Xi Jinping e, por tabela, à Rússia, à sanguinária e teocrática Arábia Saudita, Coreia do Norte, Catar e  Síria, entre outras aliadas da China.  Mesmo que certos acordos e promessas entre Brasil e este país possam ser positivos – como o de infraestrutura, saúde, pesquisa científica, ambiente, agronegócio, carros elétricos etc -, toda e qualquer autocracia representa o ressurgimento do totalitarismo soviético e do nacional socialismo nazista. Mesmo a da Venezuela e as africanas. Não são flores que se cheire.

Até a próxima, que agora é hoje, e é sempre, e principalmente, a incultura, a negação ou a deformação da História que conduzem à irresponsabilidade política e ao desastre geopolítico. Está cada vez mais difícil acreditar que “o Brasil volte” a ser o “país do futuro” que já foi, um dia.

Contra o aborto e a favor das armas

Os nefandos da Suprema Corte nos Estados Unidos decidiram que abortar não é mais um direito, mesmo em casos de estupro. A sentença, que reverte uma decisão tomada pelo mesmo tribunal há meio século, é uma bomba na vida das mulheres e da política americana. Enquanto alguns países progridem, os bárbaros religiosos da extrema-direita americana, copiados pelos conservadores e integristas brasileiros (como a juíza imbecil que tentou destruir a vida de uma criança) – uns e outros contra o aborto e a favor das armas – fazem suas pátrias regredirem à Idade Média.

Barbara Kruger, “Sem título” (1991)

Dos 194 países do planeta, apenas 10 concedem às mulheres exatamente os mesmos direitos legais que aos homens, de acordo com o relatório publicado recentemente pelo Banco Mundial. São eles: França, Bélgica, Dinamarca, Letônia, Luxemburgo, Suécia, Canadá, Islândia, Portugal e Irlanda.

Na Índia, Afeganistão, Síria, Somália, Arábia Saudita, Kuwait, Paquistão, República Democrática do Congo, Iêmen, Nigéria, Sudão etc., as desigualdades e outras violações dos direitos humanos persistem. Em países como a Polônia, Hungria, Rússia, China, Estados Unidos, esses direitos retrocedem.

“O aborto é um direito fundamental para todas as mulheres. É preciso protegê-lo. Expresso a minha solidariedade às mulheres cujas liberdades hoje estão sendo questionadas pela Corte suprema dos Estados Unidos da América.” (Presidente Emmanuel Macron)
“Um dia escuro para os direitos das mulheres. Solidariedade total a todas as mulheres nos Estados Unidos e no mundo. Não desistiremos de nossos direitos, jamais.” (Primeira-ministra Élisabeth Borne)

Último recurso para situações sem saída

Simone Veil (1927-2017) foi uma magistrada, cientista política, e política sobrevivente do Holocausto, que pertenceu à Academia francesa de Letras e exerceu vários cargos, entre eles o de ministra da saúde na França. Hoje ela se encontra no Panteão, ao lado dos grandes personagens que marcaram a História deste país, como Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Victor Hugo, entre outros.

Veil foi encarregada de apresentar ao Parlamento um projeto de lei que despenalizava o aborto. Este combate, apoiado pela parte esclarecida da sociedade francesa (artistas, cientistas, professores, filósofos e intelectuais) lhe valeu ameaças da extrema direita, direita e extrema esquerda.

Num discurso que ficou famoso, ela afirmou que o aborto deve continuar como uma “exceção”, o “último recurso para situações sem saída”. O texto foi finalmente aceito na Assembleia nacional em 1974 e a lei adotada pelo Senado, duas semanas mais tarde, entrando em vigor em 1975.

Simone Veil se opunha à “banalização do aborto”, prática que, segundo ela, “permaneceria sempre um drama”, mas precisou que “se a sua lei não o proibia, ela não criava nenhum direito a ele.” A despenalização do aborto foi um avanço civilizador, uma grande vitória e um passo decisivo em favor das mulheres, de seus direitos e sua proteção, no primeiro mundo.

O seu lindo rosto é a melhor resposta ao obscurantismo

A vida de Simone Veil, como disse uma senadora, é um “apelo à recusa de todos os compromissos com os extremistas, os populistas, os mercadores de infelicidade.” De fato. Porém, é melhor não contrapor um personagem civilizado e civilizador a esta caterva conservadora e fundamentalista. Ele não merece. Deixemos que repouse em paz no Panteão. Apenas o seu lindo rosto, que hoje é o mesmo de “Marianne”, efígie da República francesa, é a melhor resposta ao obscurantismo.

Basta ver as caras e figuras monstruosas dos fanáticos americanos da América profunda de Trump e cotejá-las à bela, culta, esclarecida e evoluída juventude americana, para vislumbrar que, ali também, não há comparação possível. Intelectuais, historiadores e artistas já lançaram luz sobre esta civilização e sua complexa e tão díspar sociedade.

Até a próxima, que agora é hoje e todos precisam saber: muito longe de qualquer observância e preceito religiosos, o aborto é um direito fundamental da mulher!

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