Senhor, mãe de todos

Preciso esclarecer. Rosh Hashaná, festa do Ano Novo judaico que começa amanhã, dia 6, e termina no dia 8,  não é ocasião de soltar fogos de artifício, tomar champanhe e fazer resoluções. Ao contrário, é a hora em que o Senhor responsável por nossa existência na Terra, decide o nosso destino. Quer dizer, nestes dias Ele faz o balanço do último ano, resolve se renova ou não o nosso contrato com o planeta, e determina se continuamos ou não inscritos no “Livro da Vida”. Nada menos do que isso e também… nada menos divertido.

“O Shofar” (1914 – 1915), desenho de Marc Chagall (1887 – 1985), pertencente à coleção do Museu nacional de Arte Moderna, no Centro Pompidou, em Paris.

Portanto, se houve alguma inadimplência ética, moral ou espiritual de nossa parte, se não fomos bonzinhos como Deus pensa que deveríamos ter sido, ficamos ameaçados de despejo da Terra. Então, em vez de festejar, passamos um medo desgraçado!

Se isso acontecesse uma só vez na vida como para os cristãos no “Julgamento Final”, quando estes já foram despejados da Terra de todo jeito, ainda vai. O pior é ficar preocupado TODOS OS ANOS pensando, em cada setembro, se o Senhor vai rescindir o contrato.

Fora que, anualmente também, 10 dias depois do Rosh Hashaná vem “o grande intervalo do perdão”, o Yom Kipur. Mesmo quem se comportou direito fica de castigo durante 25 horas neste longo dia, rezando sem comer e beber, sem Internet e celular e no final tem que ir à Sinagoga, onde todos estão de mau humor por causa do jejum e depois ouvir o “agradável e melodioso” som do shofar.

Isso, sem dizer que a pessoa permanece em suspense porque a sorte dela só será devidamente selada em outubro, no Hoshaná Rabá, sétimo dia da festa judaica de Sucot, 21° dia de Tishrei (Súplica), dia marcado por um serviço complicado na sinagoga, onde os congregantes, entre muitas outras coisas, dão sete voltas em torno do púlpito recitando coisas que ninguém entende.

Eis a razão de tantos votos e superstições, penso eu, como essas para o ano “ficar doce”. Doce, uma ova! Debaixo de tal ameaça, engolimos maçã com mel simplesmente para o ano EXISTIR!

Acho que é igualmente por isso que no Rosh Hashaná rezamos tanto, pedimos tanto, usamos dúzias de expressões diferentes em hebreu para que nós e quem amamos continuemos na Terra. Eta Ano Novo angustiante…

Conclusão

Mas, finalmente, esta falta de paridade entre cristãos e judeus, me fez refletir e chegar à uma conclusão que se não for verdade pelo menos me ajuda a entender melhor a questão. A minha conclusão provisória é: se Deus é o mesmo para todos, é a interpretação Dele que varia.

No patriarcado cristão, por exemplo, Deus é Pai. As feministas podem não apreciar, mas é normal, tudo bem. No matriarcado judaico, já que Deus dá a vida, e o pai sempre está ali “apenas para contribuir com os gastos”, acho que o Senhor só pode ser Mãe. Mãe judaica, ainda por cima!

Nesse caso, como é possível comemorar o Ano Novo, soltar fogos e tomar champanhe, sem culpa e preocupação?

Até a próxima, que agora é hoje e, de todo modo, seja qual for o gênero de Deus para cada um, e seja qual for a data do seu Ano Novo, desejo aos queridos leitores de todas as religiões – ecumenicamente como sempre -, e também aos agnósticos e ateus, “A gut gebentsht yohr” (em ídiche, “um ano bom e abençoado”) e “a gutten kvittel” ( “uma boa inscrição”) no Livro da Vida, que a Vida é para todos!