Todos somos filhos do Dia D

Hoje faz 80 anos que nosso pai, Abraham Louis Klinger (1921-1990), desembarcou na Normandia. Foi uma bravura que contribuiu para libertar a França e a Europa do jugo nazista, porém marcou a sua vida cruelmente, deixando sinais indeléveis, é claro, também em seus filhos. Creio que foi com ele que aprendemos, sem jamais termos tido consciência disso, e mesmo sem sua presença, o que é a coragem e a retidão. No pouco tempo em que vivemos juntos, antes de sua partida definitiva do Brasil, ele nos passou o valor da ciência e cultura, assim como o amor pelo aprendizado. Nada do que aqui está contado em sua memória – neste aniversário do desembarque – é ficção. Foi o que vimos, vivemos, ouvimos de familiares e amigos, e há pouco confirmamos, graças a um pesquisador alemão da Baviera que conseguiu nos encontrar. Hoje, dia 6, se não tivesse falecido tão cedo, nosso pai, enquanto herói de guerra, estaria na homenagem franco-americana em Colleville-sur-Mer, ao lado dos demais veteranos. Cerimônia comovente, simbólica e altamente política nesse momento mundial, com um discurso inesquecível do presidente Joe Biden (sem papel), 21 tiros de canhão e um lindo desfile da aviação americana. Na parte da tarde, a homenagem foi ainda mais emocionante, com vários chefes de Estado, entre os quais o presidente Volodymyr Zelensky, na qual o discurso do presidente Macron – justo quando falava no apoio à Ucrânia – foi coroado pelas cores lançadas pelos aviões da patrulha da França. “Todos nós somos filhos do desembarque”, disse ele sob aplausos.  A frase continua ecoando em nossas cabeças e em todas as rádios e televisões francesas.  

Joe e Jill Biden, Emmanuel e Brigitte Macron, entre centenas de personalidades e convidados, na cerimônia do 80° aniversário do Desembarque dos aliados na Normandia, no “Dia D”, durante a Segunda Guerra Mundial. A primeira parte da comovente homenagem aconteceu no Cemitério e Memorial Americano em Colleville-sur-Mer, com vista para a Praia de Omaha. (Foto de SAUL LOEB / AFP)

Como nosso pai, aos 21 anos, engajou-se no exército americano, tornou-se oficial participando da invasão dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial? Como chegou a ser governador militar de Wasserburg am Inn, na Baviera e, posteriormente, reconhecido como herói de guerra? Como é que este literário que interrompeu seus estudos (retomando-os na Universidade de Nova York, aonde retornou como professor de linguística), comunista na juventude, um dos fundadores do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e da Casa do Povo em São Paulo, colaborador do Suplemento literário do Estadão, pintor herdeiro do Realismo social na maturidade, foi parar no Brasil e encontrou nossa mãe?

Papai nasceu numa família judaica de origem austro-húngara que, como tantas outras, depois da Primeira Grande Guerra imigrou para os Estados Unidos instalando-se no Brooklyn, em Nova York. Rochelle Dreyfuss, emérita professora de Direito da Universidade de Nova York, prima irmã querida que esteve aqui há alguns meses, contou-me os percalços romanescos dessa expatriação. Trocamos também muitas informações sobre o seu tio, nosso pai.

Nossos avós paternos tiveram três filhos, nesta ordem: Dorothy (mãe de Rochelle), Harold e Abraham Louis. O falecido tio Harold não teve filhos. Foi um médico e biólogo “nobelizábel”, PhD, professor de Genética Molecular e Pediatria no Albert Einstein College of Medicine, editor-chefe de uma revista científica importante e fundador da Sociedade Internacional de Citogenética e Genoma. Tia Dorothy, também falecida, era psicanalista. Meu pai, com a eclosão da Segunda Grande Guerra foi chamado e interrompeu seus estudos para, como outros milhares de jovens, servir no exército americano, alistando-se no dia 2 de julho de 1942.

Cinco meses antes do desembarque, ele já participava da preparação (Operação Netuno) da chamada Operação Overlord – uma das maiores de toda a História militar – o Dia D que marcou o primeiro dia da batalha da Normandia entre as forças alemães da Wehrmacht que a ocupavam e as tropas aliadas do SHAEF (Quartel General Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas). Com a função de Major, posto de oficial (imediatamente acima de Capitão) da 4ª Divisão de infantaria, tendo atingido o grau de ajudante direto de ordens do general Dwight D. Eisenhower, papai desembarcou na Praia de Utah, no dia 6 de junho de 1944.

Soldados da 4ª Divisão de Infantaria (“Famous Fourth”, onde se encontrava nosso pai) desembarcam em Utah Beach, na costa da Normandia, em 6 de junho de 1944. Crédito: AFP/Arquivos

Hoje, compreendo cada vez melhor os seus relatos. Contou-nos a ansiedade que sentiu quando, no final, o desembarque foi adiado por causa do mau tempo. Dois dias antes, o gigantesco navio onde estava, saído do porto inglês, teve que dar meia-volta em mar cada vez mais revolto. Tarde da noite, Eisenhower anunciou finalmente que a decisão seria irrevogável: a desembarcação se daria no dia seguinte.

Poucas horas depois, Abraham Louis podia ver a armada, a mais extraordinária jamais composta, aproximar-se das costas francesas: 2 727 embarcações variadas carregando ou rebocando mais de 2 500 barcas menores para a saída dos soldados, escoltadas por 590 navios de guerra, entre os quais 23 cruzadores e 5 encouraçados. Ele nos poupou dos pormenores daqueles momentos cruciais e sangrentos, mas hoje eles estão em toda parte. Quantos livros, estudos e filmes documentaram a epopeia!

Soube apenas que, do navio, ele passou a uma barca e chegou são e salvo às areias normandas, quando foi atingido por estilhaços de granada nas costas, à altura da zona lombar. Acordou no hospital americano de campanha de Saint-Hilaire-Petitville, onde foi operado. Restabelecido, recusou-se a retornar aos Estados Unidos preferindo continuar o que tinha começado. Naquele momento, 3 400 americanos, 3 mil canadenses e igual número de civis tinham sido mortos ou estavam desaparecidos.

Assim, nosso pai atravessou a França, dirigiu-se à Baviera e, na jornada, matou vários alemães. Finalmente, tendo feito fuzilar um general, tomou Wasserburg am Inn, da qual tornou-se governador militar, aos 23 anos.

Wasserburg am Inn, na Baviera, cidade da qual meu pai foi governador militar no final da Segunda Guerra Mundial.

Estes fatos nos foram contados em parte por nosso pai e familiares, mas estão relatados nos estudos de Robert Obermayr, universitário que conseguiu nos encontrar há dois anos para obter informações. Ele pesquisa a resistência alemã, o período de ocupação dos americanos, a desnazificação e a reconstrução das estruturas democráticas em Wasserburg, liderada por seu prefeito Josef Estermann, um comunista bávaro. O projeto do pesquisador é retratar a relação de amizade entre Estermann e Abraham Louis que, segundo Obermayr (nós não sabíamos, nosso pai jamais nos contou) “falava o alemão perfeitamente”.

Num artigo que encontrou, assinado pelo padre de Wasserburg e publicado pelo jornal local em 1946, está escrito: “Particularmente notável foi o jovem e ativo oficial Abraham Louis Klinger que, como governador militar, organizou a administração com um trabalho preciso e rigoroso desde janeiro de 1946. Muitos de seus decretos serviram para restaurar a lei e a ordem e foram bem recebidos pela população. Outros, como a restrição da natação na piscina pública das 12h00 às 13h30 e das 19h00 em diante, não foram compreendidos, embora o governador os justificasse referindo-se a um trabalho ‘mais enérgico’. A medida mais drástica tomada pelo governo militar foi, sem dúvida, a de enfrentar a limpeza política de forma clara e decisiva.”

A proibição do uso da piscina de Wasserburg am Inn ninguém entendeu, mas estou persuadida de que meu pai reservara aquelas horas apenas para os americanos. Inteligente como era, por motivo de segurança evidentemente não teria querido que as pessoas das forças americanas de ocupação nadassem, condição na qual estariam desarmadas, e, portanto, expostas, próximas dos ex-súditos do Terceiro Reich.

Ainda segundo o universitário, Abraham Louis trabalhou ao lado do prefeito de Wasserburg por muito tempo e mais tarde testemunhou a seu favor, quando se suspeitou que Estermann fazia espionagem para a Gestapo. Foi o que ajudou o amigo de papai a ser absolvido no final. Na pesquisa dele há também uma outra história sobre Abraham, relatada por um escritor local, a respeito de sua busca por um novo administrador distrital depois que Estermann foi demitido. Espero ansiosamente o momento de ter acesso a ela.

Fernand Léger (1881- 1955), “Adieu New York” (Adeus Nova York), 1946. Obra inspirada no caos norte-americano do pós-guerra. Tela pertencente ao MAM do Centro Pompidou, em Paris.

Quando Abraham Louis voltou da guerra, a América não era mais a mesma. Ele retomou seus estudos, porém no imediato pós-guerra propagava-se o desemprego, a miséria, o caos. A guerra fria, a caça aos comunistas, o macarthismo em seu início, tudo isso levou-o a procurar um primo industrial, fabricante de persianas, para lhe propor uma representação. Eldorado! Uma vez que a palavra Brasil lhe soava como se definisse a única terra pródiga restante no planeta, era para lá que ele iria como representante das tais persianas.

Não hesitou nem mesmo em deixar a namorada a quem dei o nome fictício de Ruta Flicker, bastante parecido com o verdadeiro que não vou revelar aqui, mas foi bastante comentado na minha infância. Nove anos mais velha do que nosso pai, a experiência que ela possuía, era com a Haganá, a força clandestina da autodefesa judaica que se tornou o mecanismo central do Movimento Sionista até a criação de Israel em 1948.

Ruta fazia parte da Hadassah, a famosa Organização Sionista Nacional das Mulheres da América em Nova York, que teve um papel preponderante na imigração para a Palestina. Como todas as mulheres daquela estirpe, seus objetivos certamente não eram o casamento, filhos e um lar. Amantes, sim. De preferência belos, mais jovens, muito brilhantes. E militantes, de esquerda. Exatamente como papai.

Nosso pai, judeu, foi governador militar na Baviera antes de voltar para o Brooklin levando um quadro, um cachorro e um baú. O quadro o representava como governador militar: era o seu retrato pintado sobre o do oficial nazi que ele tinha prendido e mandado fuzilar (no reverso da tela podia-se ver ainda uma cruz gamada). Nessa pintura, que imitava a academia alemã do século XIX, Abraham Louis vestia o uniforme de major e segurava o fuzil com aquela expressão “bonapartiana” que nos era familiar.

Nossos pais, nos anos 1950.

Do que lembro do quadro e de nosso pai, pelo que me foi descrito, pelas várias fotos que possuo e pelo que me é contado até hoje por alguns amigos da família, Abraham Louis, fisicamente, era um misto de Napoleão Bonaparte, Orson Welles e Marlon Brando. E ainda por cima o seu corpo avantajado exibia não uma tatuagem, mas as cicatrizes da granada que estourou em suas costas. Não me admira que Ruta, aos 32 anos e minha mãe, aos 18, tenham caído perdidamente apaixonadas.

Parece que Ruta o seguiu até mesmo ao Brasil. Imagino que, enquanto ela organizava reuniões de arrecadamento de fundos para o Estado hebreu nas principais capitais brasileiras, ele tentava se estabelecer em São Paulo. Sei que a comunidade judaica o recebeu de braços abertos por causa de seu passado heroico, sionismo, carisma pessoal, sua lábia e cultura. Meu primeiro editor, Jacó Guinsburg – o inesquecível e estimado fundador da Editora Perspectiva, em 1965 – o conheceu muito bem. Antes de falecer entregou-me os escritos de Abraham Louis sobre August Strindberg e contou-me bastante sobre essas lembranças.

Em todo caso, foi numa dessas reuniões militantes e sociais que minha mãe encontrou o seu príncipe. Não faltaria o uniforme de gala de oficial condecorado, a elegância, a postura, a verve e sobretudo o saber que as centenas de livros devorados a tinham feito admirar. Não faltaria a certeza de que nenhum daqueles moços milionários, feios e sem graça que lhe tinham sido apresentados chegava aos pés do preeminente americano. Noivaram e se casaram em três meses. Fui concebida na lua de mel.

Queria acreditar que meu pai era como os outros

Sempre associei as pessoas a pequenas particularidades que, se não tinham importância em si, deviam servir como referência simbólica à personalidade delas em relação a mim. Evidentemente, existem alguns destes pormenores que liguei a meu pai. O apelido dele era Abe, diminutivo americano de Abraham, provavelmente porque a minha avó teria gostado de dar-lhe um nome bíblico quando ele nasceu. No Brasil ninguém o chamava assim. Ele era Abe para os íntimos, Sr. Abe para os conhecidos e Seu Abe para os empregados, nome sempre pronunciado à maneira americana, “eibe”.

Para mim, que ainda queria acreditar que meu pai era como os outros, Abe diferenciava-se apenas por quatro coisas: as roupas, os óculos, o perfume e o automóvel. Quando estava em sua fazenda de café no Mato Grosso não sei, mas nos momentos em que se encontrava na cidade, como proprietário de indústria ou intelectual que ia entregar seus artigos para serem publicados no Suplemento literário do Estadão, andava invariavelmente de terno.

Dependendo da estação, estes eram em príncipe-de-gales, tweed ou pied-de-poule, elegantemente combinados com gravatas de crochê. Não me lembro de tê-lo visto uma só vez sem o lenço alvo e repassado que saía em ponta da algibeirinha do peito. Nunca vi homem mais elegante e sei que as mulheres da família e algumas da sociedade artística que nossos pais frequentavam também pensavam assim.

Eu, criança judia, tive cachorro de general nazista

O quadro, o cachorro e o baú para mim são inesquecíveis. Quando iam para a guerra, os simples soldados levavam uma mochila. Já os oficiais tinham o direito de portar um baú de metal. O baú de Abraham Louis, que ele trouxe de volta consigo (e todos vimos), continha as armas de fogo, espadas e uniformes dos soldados e oficiais de quem tirou a vida. Eram os seus troféus.

Wotan e eu

E o cachorro, um pastor alemão que se chamava Wotan, o deus-personagem do Anel dos Nibelungos de Wagner, foi o companheiro querido da minha infância. Eu, uma criança judia, vivendo entre duas famílias que escaparam do Holocausto, tive como amigo um cachorro de nome wagneriano, herdado de um general nazista morto pelo meu pai na Baviera. E isso, no Brasil.

Um cachorro, aliás, que Abraham Louis, penalizado, havia recolhido, pois o ainda pequeno Wotan, tendo perdido o mestre alemão, seguiu seu justiceiro executor até o trem que partia definitivamente a Munique, a fim de ele tomar o avião de volta a Nova York. Já no cais, meu pai agarrou o Wotan e upa! Ambos saltaram para dentro do vagão.

Abraham Louis faleceu aos 69 anos em Lisboa e está enterrado em um dos cemitérios nacionais militares do Estado de Nova York, na parte reservada aos heróis de guerra. A sua história “e muitas e muitas outras” me inspiraram algumas crônicas e, depois, um romance inteiro. Até a próxima, que agora é hoje, dia em que esta lembrança sai do âmbito pessoal para se inscrever numa experiência histórica. Razão para contá-la no 80º aniversário do Dia D!

Vídeo emocionante da cerimônia de hoje, 6 de junho.

 

Soldados americanos da 4ª Divisão de Infantaria desembarcam na Praia de Utah.

Linda maneira de compreender nosso mundo

Uma bonita e nova forma de vermos o mundo é, penso eu, coisa bastante apropriada numa Páscoa, seja ela judaica ou não. Sim, porque descobri uma conclusão de estudo que talvez mude a sua visão, revele as falsas ideias que talvez lhe tenham sido instiladas no decorrer do tempo, como a mim também foram.  Antes, porém, cozinhei uma pequena anedota.

Bandeja para cada um dos alimentos simbólicos que representam o Êxodo do povo hebreu, no seder, o jantar cerimonial da Páscoa judaica.

Um garoto chega da escola hebraica, larga no chão a maleta cheia de livros e joga-se no sofá, pensativo.

O pai pergunta:

“O que você aprendeu hoje, Rafael?”

O adolescente responde:

“Na segunda-feira, dia 22, começa Pessach, a Páscoa judaica que não tem ovos de chocolate nem coelho, mas tem sopa de bolinhas e vai até o dia 30 de abril.”

“Foi só isso que você aprendeu?”

“Não. O rabino também nos contou como é o Sêder, aquele jantar que a vovó e o vovô sempre fazem para a família inteira no primeiro dia do feriado, e que toda criança adora, principalmente quando lê as histórias no livro do Hagadá e vai procurar a Matzá escondida, para ganhar presente. A gente fica recordando a história do êxodo e a libertação do povo de Israel…”

“Verdade que em toda festa judaica come-se, come-se e come-se…  Mas o rabino só ficou falando de comida?”

“Claro que não! Ele contou também como foi que Moisés levou os filhos de Israel para fora do Egito”.

“E você lembra como foi?”, interroga o pai.

Montagem sem I.A. e sem PhotoShop, feita com Código aberto gratuito (Open source) ©️Sheila Leirner

Um pouco embaraçado, Rafael conta como foi que Moisés levou os filhos de Israel para fora do Egito:

“Foi assim: Moisés era um homem muito forte, mesmo aos 80 anos. Ele recebeu um e-mail de Deus. Era uma ordem para que libertasse o povo hebreu, maltratado pela escravidão no Egito. Moisés repassou a mensagem ao faraó. O faraó respondeu com um emoji: ‘👎’. Então, Moisés dedo-durou o soberano egípcio a Deus, que reagiu com outro emoji: ‘😡’. Aí, o Criador do universo fez uma pesquisa no Google (que ele também tinha criado) para saber quais eram as piores pragas do mundo e encomendou todas, na Amazon. Como tinha “Prime”, não pagou o frete e, já no dia seguinte, o país ficou infestado de rãs, piolhos e gafanhotos, entre muitas outras. Os bichos subiam até mesmo nas pirâmides.”

“Você tem certeza de que o rabino contou isso?”

“Sim. Aí, o faraó, assustado, voltou atrás. Criou um grupo WhatsApp e avisou Moisés: ‘👍’. Moisés tuitou no “X” ex-Twitter, provocando o êxodo do povo hebreu, que seguiu pelo deserto a caminho da terra de Canaã, orientado por Google maps. Alguns preferiram Waze. Depois dessa marcha de 40 anos, já na Terra Prometida, que hoje é Israel, encheram Instagram e Facebook com as imagens da travessia pelo Mar Vermelho, usando Inteligência Artificial e PhotoShop para parecer que as águas se abriam, de modo que pudessem passar em direção à liberdade.”

“Rafael!!!”

O garoto continua:

“A verdade é que Moisés tinha chamado um grupo incrível de engenheiros para construir uma ponte. Assim que chegaram do outro lado, a explodiram, enquanto os egípcios tentavam atravessar e todos caíram no mar. Um pouco como Israel ripostou há pouco, mandando drones às instalações militares e nucleares iranianas, de dentro do Irã, bem de fininho e em pequena escala, só para avisar aquele governo de m… que tome muito cuidado, porque o Mossad já está infiltrado no seu país e vai explodir tudo que seja fabricação belicosa de urânio. Bem… Faz muito tempo que tudo aconteceu, mas nós comemoramos o êxodo até hoje!”

“PelamordeDeus!” exclama o pai. “Foi isso que o rabino te ensinou, Rafael?!”

“Não exatamente. Mas, se eu não mudasse um pouquinho a história, você nunca acreditaria no que ele nos contou!”

Jeff Koons. Montagem sem I.A. e sem PhotoShop, feita com Código aberto gratuito (Open source) ©️Sheila Leirner

Pois é. Como escrevi no artigo em que desmascarei Edgar Morin, “no Hagadá , texto que lemos na noite da Páscoa judaica que segue o Purim, uma passagem diz que ‘em cada geração surgiram pessoas para nos destruir, mas o Senhor, com a sua mão, nos salvou das mãos delas.'” Em Purim, por exemplo, lembramos quando os persas tentaram nos matar. Neste feriado, os judeus comemoram, com reco-reco, máscaras, fantasias, comidas (é claro!) e muito barulho, a salvação de seus ancestrais que escaparam da fúria de Hamã, primeiro-ministro do rei Assuero, com o exílio no Império Persa. Isso, graças à linda rainha Ester. Em Chanuká (Natal judaico), lembramos quando os gregos tentaram nos matar; e em Pessach, também recordamos – como contou Rafael – quando os egípcios tentaram nos matar.

Símbolos de Purim: delicioso doce “orelha de Hamã”, máscara e “reco-reco” para o barulho.

Estiveram sempre tentando nos matar. Alguns conseguiram, mas continuamos presentes para poder desejar, ecumenicamente, muita paz e feliz Pessach, assim como já desejamos uma linda Páscoa cristã aos amigos e leitores queridos de diferentes religiões.

Uma bela maneira de compreender nosso mundo

Mas a Páscoa judaica, penso eu, é também a ocasião de tomar conhecimento de um relatório que talvez mude a sua vida, visão de mundo e as falsas ideologias que talvez lhe tenham sido instiladas, no decorrer do tempo, como a mim também.

Acredito que países felizes são aqueles que preservam suas tradições, culturas e histórias, que não necessariamente têm a ver com a religião.

Por isso, aproveito o Pessach para trazer o resultado do Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report) de 2024, anunciado há menos de um mês.

Essa pesquisa concentra-se, desde 2012, na felicidade das pessoas em diferentes estágios de sua vida. Nas sete idades do homem, segundo “As You Like It”, de Shakespeare, os estágios finais são retratados como profundamente deprimentes. No entanto, essa pesquisa da felicidade mostra um quadro bem mais sutil, que muda com o tempo.

O Relatório é anual e coisa muito séria: uma parceria da Gallup, do Centro de Pesquisa de Bem-Estar de Oxford, da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU e do Conselho Editorial da WHR, formado por especialistas.

Reflete uma demanda mundial por mais atenção ao estado de uma consciência plenamente satisfeita, como critério para políticas de governo. Analisa e acompanha a situação da felicidade no mundo, mostrando como a ciência dedicada à questão explica as variações pessoais e nacionais do bem-estar.

Resultado

Vale muito a pena ler o resultado de 2024, para obter as últimas descobertas no nosso planeta, em todas as idades.

São 143 países. Reproduzo apenas os 10 últimos (os mais infelizes), e os 10 primeiros (os mais felizes). Penso que é uma belíssima (e triste) maneira de compreendermos o mundo no qual vivemos.

O Afeganistão continua na lista, numa classificação praticamente inalterada, em 12 anos.

Os mais infelizes

  1. Zâmbia
  2. Eswatini
  3. Malawi
  4. Botswana
  5. Zimbábue
  6. Congo
  7. Serra Leoa
  8. Lesoto
  9. Líbano
  10. Afeganistão

Quanto à lista dos dez primeiros países de 2024, ela também permanece praticamente inalterada:

Os mais felizes

  1. Finlândia
  2. Dinamarca
  3. Islândia
  4. Suécia
  5. Israel
  6. Países Baixos
  7. Noruega
  8. Luxemburgo
  9. Suíça
  10. Austrália

Lendo a lista completa que indico aqui, você certamente se perguntará: por que os Estados Unidos estão em 23°, Alemanha em 24°, França em 27°, Brasil em 44°, Rússia em 72°, Venezuela em 79° e Israel – país em guerra – que sofre o ataque de bárbaros e defende-se há décadas do terrorismo e islamismo radical – é um dos países mais felizes do mundo?

Preservar suas tradições

Como afirmei acima, penso que preservar suas tradições é fator fundamental para a felicidade de um povo. É por isso que países como a França ou a Alemanha não estão entre os primeiros. Neles, tudo isso foi perdido. Mesmo o Natal ficou puramente comercial. Quanto aos EUA, o país não perdeu nada, porém não é feliz porque nem teve tempo de formar uma tradição.

Acredito que, além da tradição, também só se pode ser feliz, dentro da civilização, liberdade, autodeterminação, cultura e democracia. Além de que, como disse um amigo querido, “só somos felizes quando existimos.” Eu completaria: e quando lutamos para existir. Como Israel.

Chag Pessach Sameach a todos!  Ou seja, “Feliz Festa da Travessia”. Que, para nós, este seja o caminho de nossas vidas, com esperança. Até a próxima, que agora é hoje e lembremo-nos sempre de que a mesma fórmula do bem-estar e plenitude de países, também vale para nossa felicidade pessoal!

Esse é o meu Hagadá amado, de várias décadas, prefaciado e comentado por Elie Wiesel, com ilustrações de Mark Podwal.