Klimt em kitsch puro e duro

Gustav Klimt – Uma Imersão na Arte e na Música é o evento parisiense mais falado do momento com 250 mil visitantes em menos de dois meses. E, no entanto, não é uma exposição. É apenas uma atração, na qual a imitação é bem inferior à arte que substitui.


Imagens: Gustav Klimt © Culturespaces/Eric Spiller

Depois da experiência no Carrières de Lumières, antigo lugar de exploração de rochas calcárias em Baux-de-Provence, Klimt (1862-1918) abre o baile do recém-inaugurado Ateliê de Lumières em Paris, junto de mais dois vienenses: Egon Schiele (1890-1918) e o pintor arquiteto Friedensreich Hundertwasser (1928-2000).

Desta vez são 140 projetores laser de vídeo que varrem o espaço de 1.500 metros quadrados e 10 de altura com 3 mil imagens coloridas, enquanto 50 alto-falantes espacializam a música de Wagner e Beethoven. Nenhum quadro é para ser visto. Não existem obras, apenas imagens a partir delas. Representações dançantes, flutuantes, moventes, em zoom constante. Reproduções que se fundem em transições, com num videoclipe gigante, criando uma experiência sensorial vigorosa. É o que chamam de “exposição imersiva”. “Trata-se da maior instalação multimídia do mundo” vangloriam-se os organizadores. Não é para menos. A sociedade deles (Culturespaces) investiu cerca de 10 milhões de euros para reformar a antiga fundição do século 19 em Paris.

Foi o sucesso da matriz na comuna turística perto de Provença-Alpes-Costa Azul, que levou a instituição a abrir a filial parisiense. Naquele “parque temático kitsch” dedicado a shows também feitos com a técnica AMIEX® (Art & Music Immersive Experience), os espetáculos atraíram mais de 2,1 milhões de pessoas desde 2012.

Obras parecem ser apenas ilustrações para a grandiloquência artificial

No ano passado, o público assistiu à apresentação Bosch, Brueghel, Arcimboldo. Fantástico e Maravilhoso. O nome não era muito original e a exibição tampouco. Como em desfile alegórico de rua ou uma narrativa de narrativas (o que é bastante redundante) 2 mil imagens movimentavam-se pelos muros, no espaço de 7 mil metros quadrados, durante 30 minutos. E tudo isso sob fundo musical de Carmina Burana (Carl Orff), Quatro Estações (Vivaldi), peças de Mussorgski e Led Zeppelin.

Agora, em Paris, é a mesma coisa. No entanto, ver obras de arte transformadas em clipe tridimensional é triste! Pior do que ouvir certos “remix” musicais em que os DJ’s desrespeitam compositores e intérpretes. Ao dar formas e volumes reais às características virtuais dos artistas, e outros artifícios, os virtuoses espertalhões estetizam e esvaziam a linguagem dos mestres, transformando obras-primas em assombrosos e gratuitos exercícios técnicos, vazios de alma.

Fica como se as obras de Klimt, Schiele e Hundertwasser fossem ilustrações ou decorações para a grandiloquência artificial e sensacionalista de um show de cabaré. Certo, pode ser muito bonito e até mesmo “mágico”. Mas será que é preciso vampirizar a verdadeira arte para criar magia? Ou será que se pensa que maravilhas pictóricas reais precisam de “efeitos especiais” para que cheguemos a elas? Até mesmo uma pequena reprodução em cartão-postal pode ser mais fiel à nossa percepção…

Videoclipe de divulgação

Nota: Este artigo foi publicado no Caderno 2/Estadão, sob outra forma, no dia 15 de Junho de 2018.

Na França, o grande kitsch temático da arte

“A França é um gigantesco parque de diversão para turistas russos, indianos ou chineses.” (Michel Houellebecq, em “O Mapa e o Território”, 2010)
“Em cinquenta anos, vejo a França como um grande parque turístico.” (Gerard Depardieu, ator, em entrevista de 2016)

Até mesmo as artes plásticas possuem o seu parque de diversão. Ao lado de Disneyland Paris, Puy du Fou, Futuroscope ou Parque Asterix, há o “Les Carrières de Lumières”, lugar dedicado ao que chamam de “exposições de arte imersiva”. De Michelangelo, Leonardo, Bosch, Klimt, Monet, Renoir e Chagall, até Gauguin e Van Gogh, milhares de telas gigantes são projetadas em 7,000 metros quadrados como em uma coreografia, sob fundo musical clássico e moderno.

O “Les Carrières de Lumières”, inaugurado em 2012, fica em Les Baux-de-Provence, comuna turística perto de Provença-Alpes-Costa Azul. Apresenta neste momento, o espetáculo “Bosch, Brueghel, Arcimboldo. Fantástico e maravilhoso” (até 7 de Janeiro de 2018). O nome não é muito original e a exposição tampouco. Como em desfile alegórico de rua ou uma narrativa de narrativas (o que é bastante redundante) 2 mil imagens movimentam-se pelos muros, no espaço de 7,000 metros quadrados, durante 30 minutos. E tudo isso sob fundo musical de Carmina Burana (Carl Orff), Quatro Estações (Vivaldi), peças de Mussorgski e Led Zeppelin.

Difícil adivinhar o que a grande arte e a imaginação sem limites dos grandes mestres do século 16 fazem nestes cenários, músicas e animações, já que não são roupas ou acessórios de moda como as que foram mostradas na linda e feérica retrospectiva Christian Dior.

Ver esses trabalhos transformados em clipe tridimensional é triste! Pior do que ouvir os “remix” musicais onde os DJ’s desrespeitam compositores e intérpretes.  Ao dar volumes reais aos volumes virtuais dos artistas e outros truques, os virtuoses espertalhões esvaziam a linguagem dos mestres, transformando obras-primas em assombrosos e gratuitos exercícios técnicos.

Fica como se o Jardim das Delícias, a Tentação de Santo Antônio (telas de Hieronymus Bosch) e outras preciosidades como as frutas de Giuseppe Arcimboldo ou as festas campestres de Brueghel, fossem ilustrações ou decorações para a grandiloquência artificial e sensacionalista de um show de cabaré. Certo, pode ser muito bonito, mas será que estas maravilhas pictóricas (em si) precisam de “efeitos especiais” para que cheguemos a elas?  Até mesmo uma pequena reprodução em cartão postal pode ser mais fiel à nossa percepção…

De 2012 para cá, o lugar atraiu mais de 2,1 milhões de visitantes. O sucesso levou a instituição a abrir uma filial deste seu “parque temático” kitsch numa antiga fundição do século 19 em Paris, onde será inaugurado em abril de 2018. Mais de 3,300 metros quadrados serão dedicados a estes shows feitos com a técnica AMIEX® (Art & Music Immersive Experience).

Até a próxima que agora é hoje e os que se vendem ao mundo do espetáculo, ao invés de levar arte ao povo – em nome da diversão, vulgarização e consumo – acabam por afastá-lo cada vez mais da verdadeira experiência estética!