“Mastigação de nuvens” ou Banalizar o perigoso é ainda mais perigoso

Uma conhecida universitária – especialista, entre outras coisas, em semiótica – não entende a razão de “tanta celeuma em torno do texto dos curadores da Bienal de SP-2023“. Apesar de a Bienal tê-lo enviado com o título “projeto curatorial”, e o “coletivo” dos garotos afirmar que é “uma proposta curatorial”, ela pensa que uma análise (semiológica?) de texto é capaz de revelar que “não é um projeto, muito menos curatorial”, trata-se apenas de “uma mastigação de nuvens de palavras”. Este tipo de post publicado pela professora, no Facebook, é bastante comum. Costumo chamar de “alienação universitária” a que, às vezes, é própria dos que não atuam no terreno, fora da academia. Ou daqueles que, quando atuam no terreno, trazem junto a academia.  


Ok, podemos concordar que, na forma, de fato não é um “projeto”, nem aqui, nem na China.

No entanto, ela diz que “a questão é mais simples do que parece”. E afirma que poderia analisar melhor, mas seria “uma perda de tempo” porque “as metáforas são usadas como mera dissimulação de um discurso, apenas para ocultar a ausência de ideias”.

Muitas pessoas “assinaram embaixo”, sem pensar que o problema, ao contrário, está longe de ser simples. E que por trás da ausência de ideias, há – isto sim – um grande perigo. O “projeto-não-projeto” remete, nada mais nada menos, a tudo que temos visto de neo-obscurantista e ultrarreacionário no mundo da arte. É o retrato escarrado da situação atual, não só da produção artística, como das instituições e da crítica de arte.

Se provocou celeuma, foi com razão. É porque vai muito além de uma simples “mastigação de nuvens”. Faz tandem com uma espécie de “terrorismo” praticado em nome de novos dogmas, crenças e ideologias contemporâneas. Hoje, no mundo inteiro, como no calvinismo do século 16, artistas, curadores e outros que acreditam ser “progressistas”, partem da “consciência” da existência de injustiças sociais, raciais ou de gênero, pretendendo agir “radicalmente” para eliminá-las.

Mas a semióloga vê apenas nuvens. Provavelmente muito brilhante na sua seara, não deve conhecer, ou prefere ignorar, o resto. Os defeitos dos universitários geralmente são os mesmos, inerentes às suas teses: pedagogismo, fúria demonstrativa, estilo raciocinativo, economia ou dissimulação de posições pessoais atrás de citações obrigatórias. Mas, o pior de todos é esse: só enxergar o que está no seu campo limitado de visão.

Graças também a certos professores deficientes visuais, coniventes ou adeptos, as universidades, as instituições e o mundo da cultura, em toda parte, estão infestados de papagaios anticolonialistas, anti-individualistas-pró-coletivo, antimercado, “horizontalistas”, anti instituição, racialistas, wokistas, identitaristas, feministas radicais, etc. É uma verdadeira praga, e como todas as pragas, sempre injusta e peçonhenta.

Queremos detonar a Bienal

A semiologista olha “com pena, como a arte pode ficar sujeita a leviandades”, sendo que o que o que foi apresentado, não é, de forma alguma, “irreflexão”. Por trás do texto absconso, quem é do ramo ou quem é intelectual eclético, autodidata (franco-atirador, geralmente mal visto pela academia), disseca bem.

Traduzo para ela, por exemplo – e sem achar que estou “perdendo o meu tempo” – a seguinte frase: “Para nós, as coreografias começam com a nossa prática, que tem como princípio a tentativa de romper hierarquias, procedimentos éticos e normativos que encenam estruturas verticais de poder, valor e violência dos dispositivos institucionais – as quais, todas sabemos, o mundo já não sustenta.”

Eis a versão em quatro palavras: “Queremos detonar a Bienal.”

E, para finalizar seu post professoral, a professora comete a ousadia de uma frase surpreendentemente nova e original: “não há outro caminho, senão ler, estudar, pesquisar.” Puxa, não sabíamos!

Já eu, além de aconselhar leitura, estudo e pesquisa, recomendo urgentemente que, diante de fundamentalismo artístico, não se faça e não se aprecie simplismos como o dela.

Até a próxima, que agora é hoje e banalizar o que é perigoso, é mais perigoso ainda. O perigo, aponta-se e combate-se!

Vista geral da “Grande Coleção”, espaço coletivo na 19a Bienal de São Paulo, em 1987.

Pré-história, um enigma moderno – Podcast

Com a resenha da exposição ‘Pré-história, um enigma moderno’ (até 16 de Setembro no Centro Pompidou, em Paris), finalmente inauguro o podcast de ‘Arte, aqui e agora’! Faz tempo que ele aguarda na gaveta, para ver o dia. De tempos em tempos publicarei um episódio – assim espero –  para, igualmente, responder a eventuais perguntas dos leitores e ouvintes sobre os temas apresentados. Até a próxima, que agora é hoje! 

De que maneira a ideia de pré-história corresponde às expectativas modernas? Por que esta palavra se impôs com tanta força nas representações coletivas desde 1860? Por quais vias e de que forma os artistas se empenharam em resolver este enigma do tempo? Como as descobertas, os conceitos, sonhos, medos e desejos da nossa época se reencontram ali? Vasta (e confusa) aventura! Ouça o podcast e veja as imagens da exposição:

Assista ao trailer

 

 

Para enviar pergunta sobre este assunto é só clicar aqui. Se a questão for do interesse dos leitores e eu souber responder, o farei com grande prazer no próximo podcast.

 

🎵 Tema do podcast “Arte, aqui e agora”: © Paulo Tozzi

 

🎵 Trechos das trilhas originais: “Jurassic Park” de Steven Spielberg (1993) e “2001: Uma Odisséia no Espaço” de Stanley Kubrick (1968)